(*) Dr. Lucas Nápoli

Você possui algum vício? Sempre que abro uma caixinha de perguntas lá na minha página do Instagram aparecem pessoas querendo saber o que é preciso fazer para se livrarem de um vício. O termo técnico que utilizamos na psicopatologia para nos referirmos aos vícios é “compulsão”. Se você observar, essa palavra remete a outra que eventualmente encontramos no vocabulário comum: “compulsório(a)”. Quando qualifico uma tarefa como compulsória, estou querendo dizer que ela não pode ser evitada, ou seja, sua realização é obrigatória.
Nesse sentido, quando falamos de compulsões, estamos nos referindo a determinados comportamentos que a pessoa experimenta como inevitáveis, obrigatórios. É assim, por exemplo, que se sente uma pessoa viciada em fumar. Para ela, retirar um cigarro do maço, acendê-lo e levá-lo à boca não é um ato que brota de uma decisão consciente, como o comportamento de ir ao cinema assistir ao último filme do Batman. Não! Para um viciado em tabaco, fumar se tornou uma necessidade tão imperativa quanto a fome e a sede. Assim como ele não consegue ficar um dia sem beber água ou comer, também não consegue ficar um dia (às vezes sequer uma hora) sem fazer fumaça.
Trata-se de uma realidade bastante diferente da vivenciada por pessoas que não viciadas em cigarro, mas eventualmente fumam. Refiro-me àquelas pessoas que gostam de fumar em festas ou de vez em quando apreciam degustar um bom charuto. Para essas pessoas, o ato de fumar ainda se encontra no plano do desejo e não da necessidade. O que isso quer dizer? Os comportamentos que estão situados no plano do desejo são aqueles que o sujeito expressa porque quer e não porque precisa. O viciado em cigarro sofre quando eventualmente não pode fumar. Já quem fuma esporadicamente não apresenta tal sofrimento, pois o cigarro não se tornou para ele uma fonte indispensável de satisfação; com efeito, ele possui à sua disposição diversas outras opções de prazer.
É esse caráter exclusivo que o vício apresenta que pode nos servir de porta de entrada para a compreensão das origens e do mecanismo de funcionamento das compulsões. De fato, o vício suga para si boa parte do tempo, das energias e dos recursos do sujeito, como se fosse uma espécie de ralo energético. A compulsão adquire um lugar central na vida da pessoa, de tal modo que todas as outras dimensões acabam indo para a periferia da existência. Ao escrever isso, me vêm à mente uma cena em que um fumante está envolvido numa animada conversa com seus amigos e, de repente, se sente forçado a interromper aquele momento para ir até a parte de fora do restaurante para fumar. É como se ele fosse escravo daquele de punhado de fumo enrolado em papel. O que leva alguém a tornar-se tão submisso a um comportamento que, no início, foi deliberadamente escolhido. Como se desenvolve uma compulsão?
Mencionei acima o fato de que os vícios são tão imperativos para o sujeito que acabam se assemelhando a necessidades vitais. Nesse sentido, podemos inferir que, quando desenvolvemos um vício, temos a impressão de que necessitamos dele para viver assim como precisamos de água, comida e oxigênio. Não conseguimos imaginar nossas vidas sem a prática do vício. Isso nos permite perceber que a vida de uma pessoa viciada apresenta uma espécie de “buraco” que é tamponado pelo vício, mas sempre volta a se abrir, o que explicaria o caráter repetitivo da compulsão. O sujeito precisa praticar regularmente o vício, pois, do contrário, o “buraco” permaneceria aberto levando a pessoa à experiência aterrorizante da angústia.
Esse “buraco” ao qual me refiro pode se apresentar das mais diversas formas. Pode ser, por exemplo, a memória de um abuso sexual praticado pela própria mãe. Pode ser um sentimento crônico de desamparo desencadeado por uma infância difícil. Pode ser um conflito psíquico relacionado à orientação sexual. Enfim, existem diversos tipos de “buracos” interiores que podem ser momentaneamente preenchidos pelo vício. Além de proporcionar uma satisfação que neutraliza a experiência da angústia gerada pelo “buraco”, o vício também tem o poder de concentrar em si a atenção do sujeito levando-o a afastar-se da consciência do “buraco”. Nesse sentido, podemos dizer que a compulsão funciona ao mesmo tempo como calmante e como fuga. Ao praticar o seu vício, o sujeito não precisa fazer contato com seu “buraco” e, muito menos, sofrer por conta dele.
O que fazer, portanto, para abandonar um vício? Tratar o buraco, ora bolas! O vício pode ser comparado a um asfaltamento de má qualidade. Ele tampa o buraco durante algum tempo, mas, basta vir a chuva, e a fenda volta a se abrir. Trata-se, portanto, de uma “solução” paliativa. É preciso fechar definitivamente esse buraco com material de qualidade, sólido e resistente. Mas, para conseguir isso, o viciado precisará primeiro penetrar nesse buraco e conhecê-lo detalhadamente a fim de identificar sua origem, o que há dentro dele, sua profundidade etc. É exatamente isso o que fazemos numa Psicanálise. Ao contrário de outros métodos terapêuticos que ajudam o sujeito a controlar seu comportamento a fim de evitar recorrer ao vício, a Psicanálise busca tratar aquilo que motivou o desenvolvimento da compulsão. Como vimos, ela é criada para preencher temporariamente um buraco. Portanto, para que não seja mais necessária, é preciso tampar definitivamente essa cratera.
(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).
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