Lucas Nápoli (*)
Recentemente publiquei em minha página no Instagram uma frase que suscitou a perplexidade e a curiosidade de algumas pessoas. A sentença era a seguinte: “Freud nos ensinou que o tesão pode estar onde menos imaginamos: em nossas dores, tristezas, manias, ansiedades, obsessões, inibições.”. Aqueles que possuem familiaridade com os textos freudianos certamente não tiveram dificuldade para perceber que essa frase é basicamente uma síntese da teoria formulada pelo médico vienense acerca do papel decisivo dos impulsos sexuais nas patologias psíquicas. Todavia, ainda há muitas pessoas que sabem apenas que Freud foi um dos maiores nomes da Psicologia, mas desconhecem as descobertas revolucionárias que ele fez.
É principalmente a esses leitores que me dirijo neste artigo a fim de explicar em poucas linhas a teoria freudiana da sexualidade. Por outro lado, aqueles que já estão fartos de saber o que Freud diz sobre sexo também se beneficiarão da abordagem sintética que farei aqui.
Comecemos do princípio: a grande maioria das pessoas acredita que os impulsos sexuais aparecem pela primeira vez na vida de uma pessoa durante o período conhecido como puberdade, isto é, por volta dos 10 ou 11 anos de idade. Além disso, o senso comum sustenta que sexualidade se refere apenas ao uso dos órgãos genitais para obtenção de prazer e reprodução. Algumas das principais novidades trazidas pelas investigações científicas que Freud fez enquanto atendia seus pacientes na Viena do final do século XIX colocaram em xeque essas duas crenças do senso comum às quais aludi.
Com efeito, Freud descobriu que os impulsos sexuais não se manifestam pela primeira vez na puberdade, mas logo após o nascimento. Sim, foi isso mesmo que você acabou de ler, caro leitor: Freud descobriu que as crianças experimentam impulsos sexuais. Contudo, para que essa realidade possa ser examinada, é preciso derrubar a segunda crença à qual nos referimos: a de que a sexualidade se restringe à experiência com os órgãos genitais. Se incluirmos dentro do campo sexual todas as atividades que poderiam ser classificadas como eróticas, veremos que muitas delas já se fazem presentes na vida infantil. Que atividades são essas? O beijar, o chupar, o olhar, o despir-se, o agarrar, o falar, o ouvir, o tocar… Todas essas ações podem assumir na experiência das crianças uma conotação erótica, ainda que, inicialmente, sem vinculação direta com a sexualidade genital, como acontece na vida adulta.
Mais do que descobrir que as crianças executam atividades propriamente sexuais, Freud constatou também que a sexualidade infantil, diferentemente da adulta, é polimorfa, ou seja, se apresenta de múltiplas maneiras. De fato, a criança se diverte eroticamente de vários modos, com várias partes do corpo, com várias pessoas de ambos os sexos. É somente na adolescência, porta de entrada para a sexualidade adulta, que toda essa variabilidade erótica dará lugar a certas escolhas específicas: a zona genital passará a ser a fonte principal de obtenção do prazer, o sujeito passará a se perceber como masculino ou feminino e sua orientação sexual se cristalizará em certa direção. Podemos dizer, portanto que a entrada na vida adulta exige o abandono de parte do vasto potencial erótico da vida infantil.
No entanto, tal abandono nunca é realizado de forma plena, pois essa parte do erotismo infantil que deixamos para trás continua a sobreviver em nosso Inconsciente, pois tivemos que reprimi-lo em função das regras do jogo do mundo social adulto. E é justamente esse “tesão” infantil reprimido que, em determinadas circunstâncias, pode retornar na forma de dores, tristezas, manias, ansiedades, obsessões, inibições.
Mas, Lucas, tesão não é prazer? Então, como é que o tesão vai se expressar por meio do adoecimento? A resposta para essa pergunta diz respeito a outra descoberta feita por Freud: a de que os impulsos sexuais, na espécie humana, são simbolizáveis. Isso se deve ao fato de que a vida humana é totalmente atravessada pela linguagem. Ao dizer que os impulsos sexuais são simbolizáveis refiro-me ao fato de que eles não precisam ser satisfeitos diretamente, mas podem encontrar realização por meio de representações simbólicas, assim como a gente usa o símbolo à no trânsito para representar o imperativo “Vire à direita!”. Da mesma forma, podemos satisfazer uma fantasia sexual infantil por meio de pensamentos obsessivos e atos compulsivos como conferir reiteradamente se uma porta está trancada. É justamente por ter uma origem sexual que tais sintomas costumam se repetir a despeito da vontade consciente da pessoa.
Em tempo: os “tesões” reprimidos da vida adulta, tais como um desejo adúltero ou uma fantasia tida pelo sujeito como “pecaminosa”, também podem se manifestar dessa forma simbólica e patológica. Afinal, apesar de não contar com a exuberante polimorfia infantil, nossa sexualidade adulta continua sendo efervescente, borbulhante e surpreendente. Muitas pessoas têm dificuldade para lidar com isso e, ao invés de reconhecerem que não são de fato os “santinhos” que gostariam de ser, preferem negar tal realidade, reprimindo os impulsos “excedentes”. O problema é que eles voltam, mas não mais como tesão, mas como dores, tristezas, manias, ansiedades, obsessões, inibições.
Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.