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Glórias e percalços

FOTO: Reprodução/Instagram

Quando a Glória Maria faleceu, não foram poucos os colegas de profissão, amigos e familiares a dizer que não imaginavam que ela morreria. Tipo: como assim? Nasci e cresci vendo essa pessoa na TV, com alegria, disposta a aventurar-se, sendo mulher, sendo negra, sendo o melhor da gente brasileira, e agora ela nos deixa? É o hábito, o convívio sagrado com personalidades fortes que nos inspiram. Daí, de repente, sentimo-nos abandonados, derrotados pela força da sucessão dos dias.

Figuras do quilate de Glória, Gal, Jô Soares, Erasmo e Pelé — para citar alguns que nos deixaram há pouco tempo — são para nossa formação cultural o que um bom pai e uma boa mãe são para nossa formação cidadã, emocional, moral. Se nossos pais foram e são determinantes para compreendermos a vida, grandes comunicadores e artistas, direta ou indiretamente, foram e são essenciais para entendermos parte do que é o Brasil. Bom mesmo seria se eles fossem proibidos de deixar o mundo.

Talvez você jamais tenha assistido a um programa do Jô ou parado para escutar Gal e Erasmo no Spotify. Não tem problema. Você certamente ama muitos artistas e produções culturais que foram influenciados por eles. E se você me conhece ou me lê, é também o interlocutor de mamãe e papai. Isso é cultura, algo que a gente alimenta, celebra e cultiva em casa, nas ruas e via plataformas de comunicação cujos modelos de negócio pretendem situar-nos no mundo — de preferência, o mundo deles.

É por isso que a morte ou mesmo o declínio de alguns é uma ruptura muito forte. Aquilo que estava estabelecido, de uma hora para outra, não existe mais. A vida segue, a história é escrita e resta a nós sermos testemunhas de um tempo que contaremos aos integrantes das futuras gerações. Muitos deles, por sinal, ficarão indiferentes ao nosso “saudosismo” com a empáfia inerente a boa parte dos xóvens, sempre certos de que o mundo começou a partir de suas adolescências. Sem ressentimentos. Afinal, eu já fui assim, e sem um pouco de petulância ninguém inaugura novidades.

A petulância da Netflix, por exemplo, que fez a Blockbuster, então, a maior locadora de filmes do mundo, desaparecer do mapa. Se hoje, ironicamente, Blockbuster é uma série original Netflix — muito criticada, mas isso não vem ao caso —, é porque alguém ousou mexer no que estava quieto. Tipo a Gal, o Erasmo, o Jô. Lembro-me de visitar a Blockbuster, na adolescência e na juventude, quando ia passear em BH ou em Vitória. Aquilo, para um moço inexperiente, era a glória do capitalismo. Mas se a Glória da gente fosse, em vez de uma comunicadora completa, uma executiva da rede, talvez o destino da locadora fosse outro.

Pouca gente se lembra, mas em 2007 as franquias da Blockbuster no Brasil foram adquiridas pelas Lojas Americanas. O interesse, àquela altura, era mais nos pontos de venda do que no negócio da locadora. Hoje, pouco mais de 15 anos depois, não há Blockbuster, e as Americanas — que eu também visitava em BH e em Vitória durante a adolescência — estão em regime de recuperação judicial, com uma dívida que ultrapassa os 40 bilhões de reais. Coisa de cinema.

Durante muito tempo, para mim, Americanas foi sinônimo de varejo. O Jô Soares mantém-se como sinônimo de talk show. E Gal sempre será sinônimo de elegância e ousadia em um nível que não se repetirá. Longe de eu cometer a falta de sensibilidade de comparar marcas com gente, com gênios. Estou aqui a refletir sobre o passar do tempo. Basta estar vivo para observar o que pode acontecer a nós e aos outros. Já se disse uma vez que tudo que é sólido se desmancha no ar. Se você não sabe quem foi, das duas uma: ou falta leitura ou sobra juventude. Seja qual for a resposta, peço desculpas por alugar sua paciência e desejo-lhe sorte.


(*) Bob Villela
Jornalista e publicitário.
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela
Medium: bob-villela.medium.com

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