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Geração Tetra

FOTO: Fifa

Eu sou da geração que tem no final dos anos 80 e início dos 90 as suas primeiras lembranças nítidas da vida. No país do futebol e em tempos em que dava orgulho torcer pela Seleção.

Uma memória coletiva bem feliz das pessoas da minha idade (e das que nasceram antes, claro) é o dia 17 de julho de 1994, quando o Brasil foi tetracampeão mundial.

Eu me lembro bem do nervosismo geral e de um jogo que não terminava nunca, muitos anos antes de eu saber o que é uma prorrogação. Da tensão dos pênaltis, que também não entendi direito do que se tratava. Do Amarelinho do SBT! Do chute do Baggio para fora. E de uma festa imensa, de ir para a rua comemorar e ver gente vestida de verde e amarelo dos pés à cabeça – literalmente, nunca me esqueci de um povo de peruca verde e amarela. Estranho, mas legal.

A Copa de 94 virou um xodó. Eu sabia o resultado de todos os jogos, as estatísticas, quem era o dono de cada número de camisa no Brasil, tudo. Não só eu, toda a minha geração de minicampeões do mundo.

Quando entrei para a faculdade, 20 anos depois de o Dunga beijar e erguer a taça, descobri que um amigo, muito mais tetramaníaco do que eu, tinha aquela final gravada em VHS. Estava decidido: veríamos a partida outra vez.

Organizamos uma festa, na república onde eu morava – é o que os jovens fazem com qualquer pretexto. Convocamos a turma, compramos cervejas. Colocamos uma televisão de tubo pequena na sala ligada ao videocassete, cantamos o hino e assistimos a 90 minutos de um jogo chato entre Brasil e Itália, mais 30 da prorrogação e os pênaltis. Inclusive os comerciais, tudo. Tempo suficiente para a bebida fazer efeito e, mais para o fim, já ter até gente apostando que sairia gol na prorrogação ou que dessa vez os italianos levariam.

Assistimos, de novo, o Brasil ser tetra, agora em Viçosa, onde estudávamos, mais velhos e com direito à comemoração de adultos. Não faz o menor sentido, eu sei, mas foi incrível.

Aquele grupo de jogadores de 94 entrou para a história do futebol. É impossível ser brasileiro, ter mais de 30 anos, gostar do esporte e não idolatrar o Romário pelo que ele fez em campo, não amar o Bebeto, não ser fã do Cafu e nunca ter gritado “Taffareeeel” em uma pelada. Alcançaram o status de lendas da bola.

Outro dia desses, eu comia uma moqueca em Vitória com dois colegas de trabalho quando um cara grandão entrou no restaurante e eu paralisei. “É o Branco, tenho certeza!”. Identifiquei. Sim, o lateral-esquerdo da Copa de 94 estava lá, no mesmo ambiente. Reconheci na hora, apesar de a forma física não ser mais exatamente a de um atleta.

O Branco, o número 6. Aquele que fez um golaço de falta contra a Holanda nos 3×2 das quartas de final. Que assumiu de vez a posição quando o Leonardo foi expulso contra os Estados Unidos. Que depois da Copa foi jogar no meu time.

Eu sabia que ele agora trabalhava na CBF, como coordenador de seleções de base ou algo assim. O uniforme amarelo que ele e as pessoas que o acompanhavam vestiam confirmava: era mesmo quem eu pensava. Sentaram-se em uma mesa próxima à nossa. Resistimos enquanto deu e, na hora de ir embora, demos um alô, pedimos foto.

O Branco foi supersimpático, trocou ideias. Rasgamos elogios. Eu disse que ele era um dos responsáveis por fazer a minha geração gostar de futebol. O cara se levantou, agradeceu e ainda quis dividir o protagonismo do momento fãs-ídolo com seu colega de trabalho, que estava na cadeira ao lado, quietinho e ninguém o tinha reconhecido.

“Ele é o Geovani, jogou no Vasco!”. “Ah, oi, Geovani!” E continuamos a babar o Branco. De fato, eu nem me lembrava quem era o Geovani, apesar de saber que alguém com esse nome tinha uma história legal em São Januário. Dizem que foi craque. Em minha defesa, justifico que o seu auge Foi nos anos 80, quando eu ainda era muito pequeno. E também não sou vascaíno e ele nem jogou Copa, senão eu o reconheceria.

Do Branco para mim vão ficar para sempre as lembranças de ter feito parte do apaixonante grupo do tetra, da antológica bomba na cobrança de falta, da passagem nem tão brilhante pelo meu Corinthians e ainda da tentativa de assistência para o colega ex-meia, que não deu muito certo, no dia em que a gente se esbarrou.

Um verdadeiro campeão!


(*) Mineiro, jornalista e mochileiro. Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir. Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.

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