Mauro Bomfim (*)
O tango desafinou o samba na final da Copa América.
A música de Carlos Gardel superou o samba brasileiro de Donga, Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola e Paulinho da Viola.
Messi se sobrepôs a Neymar. A Argentina, a principal rival, com a qual nós, brasileiros, costumamos lidar com a bílis em matéria de futebol, conquista a Copa América em pleno Maracanã.
Não vou me aventurar em terreno da crônica esportiva mineira, onde pontificaram e ainda se destacam cronistas da estirpe de Milton Colen (o que apelidou de Mineirão o Estádio Magalhães Pinto na Pampulha), de Osvaldo Faria, de Kafunga, de Waldir de Castro, para ficar apenas nos mineiros. E do naipe do Fernando Rocha e do Getúlio Dias, em suas resenhas esportivas diárias aqui em nosso querido leste mineiro.
Mas não é preciso ser discípulo de Karl Jung, de Lacan ou de Freud para perceber, logo na execução dos hinos de Argentina e Brasil, para perceber que os argentinos vieram com gosto de sangue na boca para essa partida.
Olhares fixos, compenetrados, como de feras prontas para o bote. Assim se postaram os argentinos no momento da execução do hino, ao passo que Neymar mascava chiclete em pleno Hino Nacional Brasileiro, displicente e os demais com olhares vagos e perdidos no horizonte.
Não escreverei com o fígado. Senão seria bordoada pra cima dos argentinos. Mas uma análise cartesiana, fria e racional, não ditada pela paixão, leva à conclusão induvidosa que Messi está muito acima de Neymar. Assim como Maradona está muito abaixo de Pelé, que chutava com os dois pés com a mesma precisão cirúrgica e tinha um giro de cabeça de 180 graus que jamais vi em outro jogador.
Se fosse partir para a polêmica, retrucaria com virulência o presidente da República da Argentina, Alberto Fernández, ao afirmar que “os brasileiros saíram da selva, mas nós os argentinos, chegamos de barcos que vieram de lá, da Europa”.
O presidente argentino, cujo governo está às voltas com uma grave crise econômica, ouviu o galo cantar, mas não sabia onde. Imaginou citar um trecho de obra do famoso poeta mexicano Octávio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, mas na verdade queria se referir a uma parte da música “Llegamos de Los Barcos”, lançada em 1982 pelo músico argentino Litto Nebbia.
Na verdade, se nós, brasileiros, descendemos dos tupis, dos tupinambás, dos aimorés e dos tamoios, os argentinos são descendentes dos “charrua”, povo indígena que ainda possui descendentes na região dos pampas e do Rio da Prata.
Se o Tratado de Tordesilhas de 1494 deixou a Argentina com a Espanha e o Brasil com Portugal, não é menos verdade que toda a América foi descoberta por Cristóvão Colombo, que apesar de financiado pela Coroa Espanhola, era italiano de Gênova.
Os pés mágicos de Messi podem superar as chuteiras do ainda imaturo Neymar – basta constatar o choro convulsivo depois da derrota, sem embargo de a seleção brasileira não ter jogado tão mal.
Mas em matéria de herança genética, nós, brasileiros, temos um forte DNA europeu muito maior do que se imaginava. Essa comprovação é de notável estudo científico do geneticista mineiro Sérgio Danilo Pena, um dos pioneiros no país em teste de DNA. De Belém (PA) a Porto Alegre (RS), em média, a ascendência europeia nunca é inferior a 60%, nem ultrapassa os 80%. Há doses maiores ou menores de sangue africano, enquanto a menor contribuição é a indígena, só ultrapassando os 10% na região Norte do Brasil.
De fato, se nós temos um forte componente de escravidão dos navios negreiros vindos da África, a Argentina também recebeu os primeiros negros escravos no final do século XVI, desembarcando na região da bacia do Rio da Prata, onde está localizada a capital, Buenos Aires.
Nas quatro linhas, outrora o negro Pelé superou o índio Maradona. O branco Messi supera o hoje líder antirracial Neymar, de pele morena, afrodescendente.
O tango desafinou o samba no final da Copa América.
Mas o bandoneon de Gardel nunca irá superar o violão de Cartola, um humilde sapateiro que do Morro da Mangueira espantou a todos com letras que, em minha modesta avaliação, de tão esplêndidas, podem ser consideradas composições “achiropitas”, quer dizer “não feito por mãos humanas”, e sim por meio de uma intervenção divina.
(*) Mauro Bomfim- advogado, jornalista e escritor
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