A cidade de Governador Valadares, localizada na Região Leste do Estado de Minas Gerais, tem muita história e grandes personagens ainda vivem para confirmá-las. O início documental do Vale do Rio Doce se deu no dia 13 de maio de 1808, por ordem do Rei de Portugal, D. João VI, na Capitania de Minas, século XVIII, no auge da mineração do ouro e da extração de diamantes.
A Região do Vale do Rio Doce – como ficou denominada, era pura mata atlântica, que servia de barreira natural para o contrabando de pedras preciosas. “A área era habitada por índios que devoravam gente.”
“Terra de segredos e febres que dizimavam os silvícolas desta região, (Botocudos – tronco macro-jê – grupo não Tupi, também chamados de aimorés”.
A migração foi patrocinada pela Coroa Portuguesa.
ALGUMAS INFORMAÇÕES SOBRE A COLONIZAÇÃO
No Século XIX começaram a se estabelecer pequenas comunidades. A primeira ocupação aconteceu em Baguari. Ali foi instalada a 1ª DMRD (Divisão Militar do Rio Doce) e nela os quartéis: Joanésia, Cachoeira Escura (Leopoldo), “Geral de Naknenuk”,”Baguari” e “Galho”. (Fonte: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/)
Alguns quilômetros abaixo (rio), foi instalado o Quartel de Dom Manuel, onde também se estabeleceu o “Porto das Canoas”.
O que realmente interessava aos portugueses era o desbravamento e a fixação do homem à terra.
NOMES ANTERIORES AO ATUAL:
1734 – Arraial de D. Manuel
1808 – Porto das Canoas
1884 – Santo Antônio da Figueira – Lei Provincial n.º 3.198, de 23-09-1884, e pela Lei n.º 02, de 14-09-1891, subordinado ao município de Peçanha.
1923 – Figueira – Lei Estadual n.º 843, de 07-09-1923
1937 – Figueira – Elevado à categoria de município -Decreto-lei Estadual n.º 32, de 31-12-1937,
1938 – Pelo Decreto-lei Estadual n.º 148, de 17-12-1938, o município de
Figueira passou a denominar-se Governador Valadares. (Fonte: IBGE – 2014)
ALGUNS NOMES QUE SE DESTACARAM
José de Serra Lima – Nascido em Figueira em 1874, filho do último comandante do Quartel de Dom Manuel. Serra Lima era carpinteiro e se destacou como um dos principais construtores da cidade.
Antônio Rodrigues Coelho
Gil Pacheco (presidente do Partido Emancipador de Figueira)
Irmãos Byrro (Casa Byrro)
Mafra & Irmãos
Moacyr Palleta de Cerqueira Lage (Engenheiro agrônomo e 1º Prefeito)
Octávio Soares da Cunha – 2º farmacêutico a se instalar no distrito de Figueira.
Empenhou-se, através do Partido Emancipador de Figueira, ao lado de Gil Pacheco, pela emancipação do município. Com a chegada da estrada de ferro chegaram também os primeiros pioneiros da região do Suaçuí, Peçanha, Virginópolis, Guanhães e se envolveram no plantio e comércio de café.
ALGUNS ESTABELECIMENTOS DA ÉPOCA
Assistência Social – Casa dos Pobres (Dona Zulmira).
Filial da firma Mafra & Irmãos, até 1939.
Irmãos Byrro (Casa Byrro)
Seleme Hilel -Lojas Bazar do Povo
Este foi um prefácio de uma parte da história, para chegar a um personagem tão ilustre quanto os demais, inseridos na mesma, que também deveria fazer parte do acervo na memória da cidade de Governador Valadares.
Trata-se do homem que foi, dentre outros, fumeiro, tropeiro, carroceiro, vendedor de produtos beneficiados (café torrado e moído, açúcar, derivados do milho, em carroças e triciclos), fornecedor de suínos, motorista de veículos pesados, taxista, músico e empresário:
Nome – José Teixeira Madureira
Apelido – Tio Juca
Naturalidade – Virginópolis/MG
Data de Nascimento – 25/11/1927
Filiação – Artur de Souza Teixeira e Josefina Ferreira Madureira
Cônjuge – Nagib Siman Madureira
Desde a infância, Tio Juca foi muito audacioso. Nasceu em Virginópolis/MG, terra da jabuticaba e da pecuária. Com apenas um ano de idade, foi levado para Divinolândia de Minas, que faz divisa com a cidade do ilustre personagem. Seu pai era fumeiro e ele, mesmo ainda criança, o ajudava a beneficiar o fumo (fumo de rolo) como é popularmente conhecido. Juquinha (à época), tinha a função de tocar o “burro” (instrumento rudimentar que auxiliava no trançar das folhas). Posteriormente retornou a Virginópolis, para estudar.
Aos quatorze anos mudou-se, juntamente com sua família, para a cidade de Governador Valadares. Na década de quarenta, ele, seu pai e companheiros, a pé, conduziram porcos, de Divinolândia de Minas para Governador Valadares. A distância percorrida era de aproximadamente cento e sete quilômetros, enfrentando serras e precipícios, em verdadeiros “trieiros” (caminhos improvisados, ou caminhos de bois), perdendo vários animais durante o percurso, que durava em média, três a quatro dias.
Tio Juca, que não enjeitava empreitada, começou a trabalhar como servente de pedreiro. Algum tempo depois, comprou um cavalo, uma carroça e passou a vender água, que era transportada em tonéis e distribuída em domicílios, cobrando uma taxa pelo serviço prestado. Mais tarde, com um triciclo, fazia distribuição de café e derivados do milho, da marca “Triângulo”, de propriedade do empresário Antônio Lara.
Grande parte da mercadoria era entregue no “Pipico”, Armazém de Cereais.
Algum tempo depois, Tio Juca comprou um furgão C-120, ano 1968, marca “International”.
Certo dia adoeceu e ficou afastado do trabalho por mais de noventa dias, ficando aos cuidados da Clínica Pinel, custeado pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Tio Juca foi um dos primeiros a possuir telefone para chamada de taxistas, cuja linha foi retirada da sua casa, para aquela finalidade. O número era 500 e foi instalado na Av. Minas Gerais, sentido Ilha, quando ainda sem calçamento.
Naquela ocasião já estava com uma F-48, carro de praça. Ali negociou vários pontos de taxi, com telefone. Ele era incansável e bom de negócio.
Passadas as vendas e barganhas de carros, comprou um sítio próximo à cidade de Alpercata e passou a criar suínos. Desse ramo ele entendia muito.
Depois, comprou uma fazenda em Divinolândia de Minas, mas não obteve muito sucesso. O imóvel havia sido adquirido através de financiamento e as
indesejáveis cobranças o importunavam, até que resolveu vender o imóvel e voltar para Governador Valadares.
Com o dinheiro, fruto da venda do imóvel, comprou um caminhão marca Mercedes Benz e foi contratado pela Prefeitura local para fazer a coleta de lixo. Montou um depósito de sucatas “ferro velho” e o administrou, junto com seu filho Ronie e seu genro Hailton, até meados de 2007, quando se aposentou.
O comércio compreendia desde a compra e venda de sucatas à recuperação e venda de carros usados e batidos.
TIO SERESTEIRO
Tio Juca foi seresteiro famoso. Segundo sua família, não desgrudava do violão e da sanfona, isto desde os doze anos, quando ainda moravam em Divinolândia de Minas. O gosto pelos instrumentos musicais e pela música, foi herdado do pai Artur.
A Sra. Nagib disse-me que, a princípio, não admitia muito suas saídas, achava um absurdo ficar sozinha em casa, enquanto o marido cantarolava nas casas alheias. Disse também que muitas vezes, as mulheres dos seus amigos batiam à porta da sua casa, bem tarde da noite, quando já estavam todos recolhidos. Iam pedir, melhor, “tomar emprestado” o seu marido, para fazer serestas para elas…
“Com o tempo, fui me acostumando e para não abalar a estrutura familiar, por sinal, muito bem alicerçada e mantida unida, passei a conviver com o seu jeito de ser, de ter amigos.” (Sra. Nagib).
Muito responsável, nada fazia com que Tio Juca deixasse suas obrigações como marido e pai de família.
Em 1981, retornando de uma seresta que havia sido encomendada pelo seu amigo, Sr. Leopoldo, no Sítio das Flores, sofreu um grave acidente e quase perdeu a vida. Dos ocupantes do veículo, foi o único sobrevivente. Uma locomotiva bateu no carro em que estavam arrastando-o por mais de cem metros. Foi socorrido por parentes e amigos e atendido pelo médico Dr. Haten Homaidan.
Segundo Tio Juca, agradeciam a Deus tudo que conseguiam possuir, pelo trabalho e colaboração permanente da esposa e dos filhos. Durante esta entrevista, Tio Juca fez questão de exibir, com orgulho, a Carteira de Habilitação de Condutor de Veículos de Tração Animal, expedida pela Delegacia Especial de Governador Valadares, em 07/02/1950, cujos veículos eram emplacados, e muitas fotos que registraram toda a sua trajetória de vida.
PIONEIRISMO
Tio Juca foi um explorador de sertões. Um dos que descobriram caminhos nessa região, antes desconhecida.
Foi um dos primeiros ministros da Eucaristia na Igreja Nossa Senhora das Graças, onde atuou até antes de adoecer.
Foi o primeiro a distribuir água potável, com entrega em domicílios;
Um dos primeiros a distribuir gêneros alimentícios transportados em veículo de tração animal e triciclo.
Um dos primeiros a fornecer carne suína, em larga escala.
Um dos primeiros taxistas.
Um dos primeiros a possuir telefone para atendimento ao serviço de praça
Um dos primeiros a possuir um Ferro Velho (compra e venda de sucatas)
Um dos primeiros seresteiros, muito solicitado para festas de casamentos, aniversários e outros eventos.
O Senhor José Teixeira Madureira (Tio Juca), merece nosso reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à cidade de Governador Valadares, quando a mesma era tão carente em todas as áreas. Ele também se dedicou e contribuiu de várias formas para o seu desenvolvimento.
Falecimento: 16/01/2016
Descanse em paz, amigo Tio Juca!
Heródoto, historiador e geógrafo, 485-420 a.C. (Helicarnasso, hoje Bodrum/Turquia), afirmava ser papel da história, o de “preservar aquilo que deve sua existência aos homens, para que o tempo não o oblitere”.
(Hannah Arendt) – filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX – “Assim, a história teria por objetivo salvar os feitos humanos, conferindo-lhes um caráter de imortalidade em oposição ao ciclo vital do homem de nascimento e morte.”
Geraldo Tolentino e Silva
tolentinoesilva@gmail.com’
Entrevista: 29/06/2011
Atualização: 10/10/2023
FONTES
– Entrevista com o Tio Juca – 29/06/2011
– Ronie Siman (filho)
– Documentário: “Os Pioneiros”
– Conceito de história: http://www.urutagua.uem.br//03teles.htm
– Prefeitura Municipal de Gov. Valadares
– Prefeitura Municipal de Peçanha (Januário Vieira Braga, que expulsou as tribos do local”) – http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Geografia-SebastiaoRicardoMachadoMeireles_5250.pdf)
Wikipédia
Comments 2
Show Tio Juca merecedor de todos os elogios e homenagens!!!Exemplo de tio muito feliz por ter convivido com este grande homem!!!Saudades!
Governador Valadares/MG, 13/10/2023
Foi através do casal amigo, Gervásio Miranda e Vilma Miranda, que tive a felicidade de conhecer o Ronie Siman e posteriormente o seu pai, Tio Juca, e demais familiares.
Família acolhedora, alegre, e muito religiosa.
Parece que músico tem um ímã, pois numa visita à casa da família, no bairro Grã Duquesa, me deparei com tantos violões pendurados nas paredes da sala, que pensei estar entrando numa casa de instrumentos musicais! Conversa vai, conversa vem, pegamos as violas, Tio Juca mostrou seu talento como cantor e instrumentista.
Isso foi só o começo de uma grande amizade.
Só lamento não ter escrito essa crônica, quando ele ainda estava aqui conosco.
Descanse em paz, meu amigo.
Será lembrado para sempre.
Geraldo Tolentino e Silva