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PRECISO ME CONFESSAR

por Alexandre Venâncio*

“A cada incidente eu pensava: ‘como o Alê vai explicar isso para os humanos?'”

Ouvi esta frase de um amigo esta semana. A grande verdade, Pedro, é que eu não sei como vou fazer isso. Não acho que seja capaz de explicar a loucura que foi o GP da Arábia Saudita para quem não assistiu. Uma coisa eu posso dizer: foi a melhor corrida ruim que eu já assisti até hoje. Ou melhor, foi a pior corrida boa que eu já vi na vida.

ALEXANDRE, POR QUE VOCÊ DISSE QUE A CORRIDA SERIA UMA PORCARIA?

Falem, meus camaradas. É o seguinte: não vou ficar dando muitos detalhes do GP da Arábia aqui. Não quero transformar esta coluna em um resumo semanal de notícias. Minha intenção é guiar vocês, meus leitores, pelo universo de curvas sinuosas e retas de alta velocidade, que é a Fórmula 1. Como eu havia falado no último texto, a chance de essa corrida em Jeddah, na Arábia Saudita, ser ruim era muito grande. A pista simplesmente não faz sentido. E eu vou explicar o porquê disso.

Como são as pistas de rua

Vamos lá, coloque seu capacete e sua balaclava, pois está na hora de darmos uma voltinha pelo circuito de Jeddah para entendermos o porquê de ele ser tão estranho.

O traçado na Arábia Saudita é o que chamamos de pista de rua, isso quer dizer que não existe um autódromo em volta, não existiu um desenho prévio da pista feito por arquitetos e engenheiros. Os carros correm nas ruas da cidade mesmo (claro que com toda uma estrutura construída em volta). A gente já conhece eventos famosos realizados em locais assim, como o GP da Austrália, Baku, o mais recente, que fará parte do calendário no ano que vem, Miami, e a tão famosa e glamourosa Mônaco, que é um dos berços da Fórmula 1, onde, por sinal, Senna reinou.

Normalmente, corridas de rua como essas acima têm um traçado de curvas mais lentas. Por serem literalmente no meio das cidades, as pistas não têm muita área de escape para os carros, caso eles rodem ou batam. No lugar dessas áreas temos muros, muitos muros. Por isso, o mais seguro a se fazer é criar curvas não tão velozes assim, para diminuir a chance de acidentes graves.

O problema é…

Explicando Jeddah

Jedda SÓ TEM CURVA RÁPIDA. A pista é um ovo, não existem áreas de escape para os carros. É asfalto e muro, só. E, ainda assim, 90% das curvas são feitas em altíssima velocidade. Algumas pessoas questionaram se seria seguro correr em solo árabe, por conta desses fatores. Se é seguro, eu não sei, mas com certeza é rentável. Isso é certo. A FIA e a Fórmula 1 receberam uma grana preta para colocar essa pista dantesca no calendário.

RESUMÃO DA ÚLTIMA CORRIDA

E foi nesse cenário estranho que tivemos a penúltima corrida do ano. Óbvio que nossos amigos Lewis Hamilton e Max Verstappen não deixaram a desejar e nos deram um baita show. Graças à pista, que é, digamos, malfeita, tivemos duas bandeiras vermelhas no evento. Bandeira vermelha é quando, por algum motivo específico, não é seguro continuar correndo. Nesse caso, os carros são recolhidos aos boxes e a corrida é reiniciada após o problema ser resolvido. Em Jeddah, as pausas foram causadas por dois acidentes, que em qualquer lugar não seriam problema, mas, como lá NÃO TEM ESPAÇO, tiveram que parar tudo e limpar o traçado para os carros voltarem a correr. Desculpem, me exaltei.

Oito pontos separavam Max e Lewis, que, respectivamente, são primeiro e segundo no campeonato. Diante de uma infinidade de acontecimentos (teve de tudo: batida entre os líderes, defesa de posição irregular, Red Bull mandando bem na estratégia, horas de conversas de rádio entre as equipes), o que tivemos no final foi Hamilton, empurrado por um motor que mais parece um foguete, ultrapassando Verstappen faltando apenas sete voltas para o fim e mantendo viva a esperança do campeonato.

Com a vitória, Lewis garantiu 25 pontos e mais um pontinho extra por ter feito a volta mais rápida da corrida. Max, com o segundo lugar, ficou com 18. Se você fizer as contas aí, verá que o inglês marcou oito pontos a mais que o holandês… Isso, meus amigos, quer dizer que estamos indo para a última corrida do ano COM O CAMPEONATO COMPLETAMENTE EMPATADO. Isso é uma loucura! LOUCURA!

ASSISTA ESSE ‘TREM’ DOMINGO, VAI POR MIM

Eu não gosto da pista de Abu Dhabi. Já deve estar ficando chato me ver falar mal das pistas aqui, né? Rsrs. Mas desta vez eu serei positivo. Esse circuito é muito complicado, poucos pontos de ultrapassagem, poucas oportunidades de ganho de posição. Porém, chegamos à última corrida do ano com dois superpilotos empatados. Duas forças da natureza guiando máquinas que andam a velocidades inimagináveis irão se digladiar em uma pista complexa e estreita. Nenhum dos dois dará trégua ao outro. Dois caras obstinados guiando a 300 km/h numa pista complicada… Confie em mim: o resultado só pode ser espetacular. Espero que tenhamos uma corrida limpa, mas dura, com trocas de posição e estratégias mirabolantes. Vai ser incrível. Ou não. Talvez eu pague a língua, mas eu já estou acostumado. 

Dear Frank

Este apêndice escrevo como uma forma de homenagear Sir Frank Williams, que faleceu dia 28 de novembro, aos 79 anos. Para quem não conhece, Frank foi a mente pensante por trás do lendário time Williams Racing durante décadas. Considerado o “último dos garagistas”, o inglês representava uma época mais simples e uma forma mais orgânica de fazer corrida, com metal, graxa e flanelas sujas. Frank tirou seu time do zero e o transformou na segunda maior potência da história da categoria, perdendo apenas para a poderosa Ferrari em número de títulos. Tudo isso com uma equipe independente, sem grandes conglomerados automotivos por trás da marca. Sir Frank foi uma verdadeira lenda do esporte, e seu nome se mescla com o da Fórmula 1. Uma perda gigante para o esporte e para todo mundo que um dia ligou a TV no domingo para ver amontoados de metal e graxa disputando títulos mundiais.

(*) Meu nome é Alexandre Venâncio, jornalista, produtor de podcasts e, graças à minha mãe, fã de Fórmula 1 desde pequeno. A dona Célia Maria viveu os bons tempos de Ayrton Senna e Nelson Piquet nas manhãs de domingo; eu, por outro lado, cresci assistindo Rubens Barrichello e Felipe Massa na TV. Admito que sou um estranho nos círculos sociais que frequento, sou conhecido como “o cara que fica assistindo carro andando em círculos”. Mas, tudo bem, é o preço a se pagar. Agora, além de ver Fórmula 1 e de falar disso pelo menos 10h por dia, eu também escrevo sobre o tema. Porque velocidade nunca é demais.

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