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Por que a Psicanálise dá tanta importância à sexualidade?

Dr. Lucas Nápoli (*)

A pergunta que dá título a este artigo costuma aparecer com muita frequência na mente daqueles que começam a estudar a teoria psicanalítica. Ao se depararem com a tese freudiana de que os sintomas neuróticos são expressões disfarçadas de impulsos sexuais, não raro os neófitos em Psicanálise se questionam se Freud não estaria exagerando ao supor que muitas formas de adoecimento emocional estariam diretamente relacionadas à repressão de tendências sexuais.

Quando questionado sobre a ênfase que conferia ao fator sexual, Freud costumava apelar para sua experiência clínica, dizendo que, na verdade, estava apenas registrando os fatos que encontrava diariamente no tratamento de seus pacientes. De fato, qualquer pessoa que se aventure a praticar a Psicanálise com a mesma frequência com que Freud o fazia, atendendo seis a oito pacientes por dia, facilmente chegará à conclusão de que a sexualidade está na raiz de boa parte dos quadros patológicos encontrados no cotidiano clínico.

Por outro lado, podemos nos aventurar a explicar por que as coisas se passam dessa maneira, ou seja, considerando que seja verdade que o fator sexual exerce uma influência muito significativa no campo do adoecimento psíquico, podemos procurar alguns motivos que possam esclarecer por que isso acontece. É o que farei nas próximas linhas. Em outras palavras, buscarei responder à pergunta: por que a sexualidade exerce tamanho peso na constituição do adoecimento emocional?

O primeiro motivo que me vem à mente diz respeito ao estatuto da sexualidade nos seres humanos. Diferentemente do que acontece com as outras espécies de seres vivos, a sexualidade humana não é biologicamente determinada. Ao dizer isso não estou negando o fato óbvio de que fatores biológicos exercem influência na nossa vivência da sexualidade. Todo o mundo sabe, por exemplo, que as mulheres tendem a estar mais dispostas a fazerem sexo durante os dias que constituem o chamado “período fértil”. Isso não significa, porém, que as fêmeas da nossa espécie só permitam a aproximação do parceiro (ou parceira) sexual naqueles dias, como acontece com muitos outros mamíferos.

Ao assinalar que a sexualidade humana não é biologicamente determinada, estou fazendo referência ao fato igualmente óbvio de que o modo como expressamos nossos impulsos sexuais está diretamente vinculado às experiências pelas quais passamos – experiências que, por sua vez, ocorrem no interior de contextos socioculturais específicos. Para ser mais claro: o modo como um cavalo, por exemplo, vivencia sua sexualidade não depende (ou depende muito pouco) das suas experiências de vida nem das coisas que ouviu de seus pais quando era filhote – até por que cavalos não falam, né? A forma como o cavalo expressa seus impulsos sexuais depende fundamentalmente da programação biológica própria da espécie Equus ferus caballus.

Com o Homo sapiens é diferente. Toda a discussão que temos assistido nos últimos anos a respeito da famigerada “educação sexual” evidencia justamente o fato de que, nos seres humanos, a sexualidade é naturalmente “desregulada”. Ao contrário do que acontece com o cavalo, não temos um roteiro biológico rígido que nos indique exatamente como devemos ser e o que devemos fazer no terreno sexual. É como se a nossa sexualidade fosse uma massa passível de adquirir diversas formas diferentes a depender dos recipientes nos quais ela é colocada. Tais recipientes são justamente as experiências socioculturalmente enquadradas pelas quais passamos desde o ventre materno.

Neste ponto talvez o leitor mais atento esteja se perguntando: “Ok, entendi que a sexualidade humana não é biologicamente determinada e mostra uma enorme maleabilidade ao ambiente. Todavia, essa lógica vale também para outras dimensões da existência. Com efeito, a configuração da vida humana como um todo é muito dependente das experiências e pouco influenciada pela biologia. Por que, então, a sexualidade teria um papel privilegiado? Por que logo ela (e não outra dimensão da vida) exerceria uma influência tão mais significativa sobre o adoecimento psíquico?

A resposta para essa pergunta está numa peculiaridade da espécie humana descoberta por Freud e que também explica por que todos nós temos uma forte propensão a nos tornarmos neuróticos. Essa peculiaridade é a seguinte: os impulsos sexuais aparecem em nós já na mais tenra infância, ou seja, numa fase em que nós sequer temos aparato biológico suficiente para fazer uso deles a fim de cumprir a finalidade biológica que justifica sua existência, a saber: a reprodução. Por que isso acontece dessa forma, ou seja, qual é a razão evolutiva para isso, nós não sabemos, mas o fato é que a sexualidade se manifesta precocemente em nós. E aí está o problema.

Na infância, não só ainda não temos um corpo fisiologicamente preparado para a reprodução, como também não temos uma estrutura psíquica suficientemente sólida para integrar os impulsos sexuais e experimentá-los de forma tranquila. Assim, muitas crianças podem vivenciar a sexualidade com medo, sentindo-se ameaçadas por aquela força que brota do seu próprio corpo, mas que parece ter vida própria. Apavorados, alguns pequenos podem lançar mão de certos mecanismos psíquicos, como a repressão, a fim de se defenderem dos impulsos sexuais. Esse procedimento, por sua vez, forçará tais impulsos a buscarem descarga por outras vias paralelas – é aí que surgem os sintomas neuróticos.

Portanto, podemos dizer que a sexualidade exerce tamanha importância nos processos de adoecimento emocional em primeiro lugar porque a sexualidade humana, não sendo biologicamente determinada, está sujeita às vicissitudes da vida. Em segundo lugar, porque, no caso dos seres humanos, a sexualidade se manifesta precocemente, o que promove uma atitude básica de defesa contra os impulsos sexuais por parte do sujeito, facilitando o desenvolvimento de uma neurose.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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