Dr. Lucas Nápoli (*)
Muitas pessoas, principalmente homens, tem se queixado atualmente de estarem viciados em pornografia. Trata-se de um tipo de compulsão da qual ouvíamos falar raramente antes do advento da internet de alta velocidade. Com efeito, o acesso a material pornográfico antes dos anos 2000 não era tão fácil quanto hoje. Um adolescente da década de 1990 que, pressionado pela força de seus hormônios sexuais, desejasse encontrar material audiovisual para alimentar suas fantasias masturbatórias, precisaria se contentar no máximo com ângulos mais “favoráveis” da famigerada “banheira do Gugu” ou com filmes “adultos” exibidos em altas horas da madrugada. A eventual existência de apenas uma televisão em casa dificultava o consumo dessas produções e, mesmo quando havia mais de um aparelho no recinto, não era nada fácil obter a “logística” necessária para conseguir se tocar com privacidade assistindo ao conteúdo erótico.
No mundo contemporâneo, a situação é bastante diferente. Praticamente todo adolescente possui acesso a internet rápida em seu celular e, ainda que não conheça nenhum dos milhões de sites pornográficos gratuitos, é muito provável que receba regularmente de amigos fotos e vídeos eróticos os mais diversos em seu WhatsApp. Essa facilidade de acesso a estímulos sexuais tão intensos é uma condição completamente nova na história da espécie humana. Desde que o Homo sapiens apareceu no planeta, nenhuma geração antes da atual jamais foi exposta de forma tão frequente e intensa a tantos novos contextos eróticos.
Por que isso é problemático? Existem diversos estudos neurofisiológicos, por exemplo, que atestam os danos provocados pelo vício em pornografia na regulação da resposta sexual humana (ver, p. ex. “Neuroscience of Internet Pornography Addiction: A Review and Update”). Todavia, como não sou neurocientista, mas psicanalista, vou me concentrar no impacto que o consumo excessivo de material pornográfico exerce sobre a percepção do sujeito acerca da experiência erótica real.
Muitas pessoas se engam imaginando que o grande problema causado pela pornografia, sobretudo entre os homens, seria o fato de que os vídeos pornográficos, protagonizados por mulheres e homens com corpos “esculturais” fazendo sexo em diversas posições diferentes, levariam os indivíduos a desenvolverem uma expectativa idealizada sobre as relações sexuais reais. De acordo com essa hipótese, um jovem, por exemplo, que consome pornografia regularmente acabaria esperando de sua parceira uma performance tão exuberante quanto aquelas executadas pelas atrizes dos vídeos. Além disso, ele poderia se sentir frustrado pelo fato de o corpo dela eventualmente apresentar certas “imperfeições” não encontradas nas mulheres que “homenageia”.
Embora essa situação possa de fato acontecer com algumas pessoas, creio que ela não é tão frequente visto que, ao contrário do que o senso comum imagina, a maioria das pessoas não consome pornografia para ter acesso a um erotismo mais belo e potente do que aquele que a realidade oferece. Se assim fosse, as produtoras de filmes adultos que primam pela qualidade de seu material seriam as mais procuradas nas plataformas de conteúdo pornográfico. Todavia, não é isso o que acontece. De acordo com um dos maiores portais mundiais de vídeos pornô, o Pornhub, em 2019 a palavra-chave mais buscada por seus usuários foi “amateur”. Essa categoria refere-se a vídeos não profissionais, ou seja, registros feitos por pessoas comuns de suas próprias relações sexuais.
Percebe? Se muitas pessoas estão buscando conteúdo erótico protagonizado não por atores e atrizes, mas por gente comum com elas mesmas, isso significa que a maioria dos consumidores de pornografia não está em busca de corpos perfeitos e performances inusitadas. Não! O que as pessoas de fato buscam na pornografia é uma experiência sexual DIFERENTE da que vivenciam. Elas não se importam com a qualidade da câmera utilizada ou com o fato de os protagonistas do vídeo serem gordinhos, por exemplo. O que querem é ter acesso a um mundo novo, diferente do seu cotidiano.
O problema é que a pornografia oferece um acesso praticamente infinito a esse mundo de novidades. Para quem consegue fazer a diferença existir em meio à repetição da vida real, é suficiente uma visitinha eventual à enorme variedade do mundo pornográfico. Para quem está nessa categoria de pessoas, a pornografia serve apenas para “apimentar” os pratos principais que permanecem no mundo “real”.
No entanto, existem outros indivíduos que não conseguem tolerar o fato de que a realidade não oferece novidade o tempo todo e de que a diferença precisa ser PRODUZIDA, com esforço e criatividade. São essas pessoas que olham para a realidade e só conseguem ver chatice e repetição que tornar-se-ão vulneráveis a se viciar em pornografia. Perceba: o que tais indivíduos buscam não é um mundo esteticamente superior, mas uma realidade que varie o tempo todo, que ofereça novidades o tempo inteiro. Como essa realidade não existe, eles acabam recorrendo à virtualidade pornográfica, onde esse desejo por novidade constante infelizmente pode ser satisfeito, já que a quantidade de material erótico presente na internet é praticamente infinito. É por isso que muitas pessoas, mesmo tendo um relacionamento no qual podem vivenciar experiências eróticas reais, preferem descarregar a libido se masturbando. A pornografia hipertrofia a diferença e seduz quem não aguenta a repetição.
(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).
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