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Você sofre de empatia em excesso?

Dr. Lucas Nápoli (*)

A empatia é uma das diversas habilidades que nos distinguem de outros animais. Ela se caracteriza pela capacidade que temos de imaginar como outra pessoa pode estar se sentindo, percebendo ou interpretando uma determinada situação. A empatia foi uma das competências que garantiram a nossa sobrevivência como espécie visto que as mães precisam de uma boa dose dessa capacidade para conseguir cuidar bem de seus bebês. Você é capaz de imaginar o desastre que seria se as mães não tivessem a habilidade de se identificarem com seus filhos e imaginarem o que devem estar sentindo e do que devem estar necessitando?

Apesar de ser uma habilidade presente na imensa maioria dos seres humanos, não se pode dizer que a empatia seja uma capacidade inata. É bem mais provável que tenhamos uma inclinação natural para desenvolvê-la, mas que seja indispensável uma contrapartida ambiental para que nos tornemos efetivamente empáticos. Com efeito, existem indivíduos (conhecidos no senso comum como “psicopatas” ou “sociopatas”) que parecem não possuir a capacidade de se colocarem no lugar das outras pessoas.

Do ponto de vista psicanalítico, a empatia se desenvolve muito cedo, nos primeiros anos de vida. Inicialmente, o bebê não é capaz de se identificar com outras pessoas, até porque, no início da vida, nós não temos sequer a consciência de que existem outras pessoas. De fato, em “condições normais de temperatura e pressão”, os bebês são protegidos pelo cuidado materno da consciência de que existe um mundo para-além deles mesmos. Graças ao atendimento oportuno às necessidades da criança oferecido pela mãe, o bebê sustenta no início da vida a crença ilusória de que vive num mundo mágico onde tudo o que ele deseja se apresenta automaticamente, sem que precise fazer qualquer esforço.

Nesse momento, a criança só está preocupada em satisfazer os seus próprios interesses. Todavia, isso não acontece porque ela seja egoísta, mas simplesmente porque não faz ideia de que exista alguém cuidado dele e de que está “dando trabalho”. É por isso que o bebê não se sente mal de atrapalhar o sono da mãe para que essa lhe amamente, por exemplo. O pequeno simplesmente chora. A mãe que se vire…

À medida que o bebê vai crescendo, a mãe começa a frustrar gradualmente suas expectativas – o que leva a criança finalmente a descobrir que a realidade existe. Simultaneamente, a criança se dá conta de que o atendimento de suas necessidades por parte da mãe só acontece graças ao sacrifício e ao desgaste maternos. É a partir dessa constatação que a empatia se desenvolve, ou seja, a partir do momento em que o bebê é tomado por certo pesar pelo desconforto que ele percebe gerar na mãe.

Essa singela virada no desenvolvimento inaugura para o indivíduo a capacidade de se preocupar com outro e de exercer a compaixão por ele. Se tudo correr bem, a pessoa se tornará capaz de ter empatia conservando também a capacidade de defender os próprios interesses. Afinal, em “condições normais de temperatura e pressão”, o bebê sentirá tristeza por se perceber como causador de algum grau de sofrimento à mãe, mas se perceberá “perdoado” por ela – interpretação que impede a criança de se sentir eternamente culpada pela expressão de suas necessidades e impulsos.

Contudo, nem sempre as “condições normais de temperatura e pressão” se fazem presentes. Por alguma razão (e isso é tão variável e sutil que nem convém apresentarmos exemplos), o bebê pode se sentir excessivamente triste ao constatar que “dá trabalho” para a mãe e não conseguir se sentir perdoado. Assim, tornar-se-á uma pessoa que sente uma espécie de culpa latente e crônica o tempo todo. Você já conheceu indivíduos assim? São aqueles que parecem estar sempre como que pedindo licença para existir, como se estivessem o tempo todo pedindo desculpas para o mundo.

Essas pessoas acabarão por desenvolver o que eu chamo de “empatia excessiva”. A empatia normal e saudável é aquela em que eu me identifico com o outro, imaginando o que ele deve estar sentindo e percebendo, mas continuo ciente das minhas próprias necessidades, percepções e sentimentos. Em outras palavras, a empatia saudável permite que eu veja e valide o “lado do outro” sem invalidar o meu próprio lado, isto é, os meus interesses. Já a empatia excessiva, patológica faz com que eu só consiga enxergar e legitimar o ponto de vista do outro, desconsiderando completamente o que sinto, desejo e percebo.

Como vimos, a empatia excessiva se desenvolve como uma consequência da incapacidade do sujeito de se sentir perdoado na infância. A manutenção do sentimento de culpa infantil leva a pessoa permanecer num estado crônico de penitência. Assim, todas as vezes em que ela entra em conflito com alguém, sua alma culpada encontra nisso uma oportunidade de expiação. Em outras palavras, é como se inconscientemente o indivíduo pensasse o seguinte: “Como não consigo me perdoar pelo mal que causei a minha mãe pelo trabalho que dei a ela quando criança, não tenho mais o direito de expressar meus desejos e interesses. Portanto, como penitência, já que prejudiquei minha mãe por não ter olhado o lado dela, preciso agora olhar sempre o lado do outro e nunca mais o meu.”. Assim, tal pessoa não consegue defender seus próprios interesses porque inconscientemente acredita que não tem mais esse direito.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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