Marcos Santiago (*)
A imagem corrente do espancamento (assassinato) de um homem, no espaço aberto de um grande supermercado e centro de comércio e de vida em sociedade, sob holofotes online, é mais profundo que o execrável racismo, que o sexismo, que o elitismo ou qualquer outra fração conceitual. Está na cultura da violência, ou na negação (naturalização) dela. Violência contra o idoso, contra a mulher, contra o índio, contra o pobre e a criança, contra o concorrente, contra o ateu, contra o estrangeiro, ou mesmo contra o abastado (em razão do banditismo social). Violência. A revalorização do instinto, a partir de ícones e líderes da sociedade, do chefe da casa ao chefe da nação. A revitalização de um comportamento que a evolução, por milênios, tenta pacificar, através da coexistência. O simbolismo da violência como exercício das próprias razões, da masculinidade, da prática da própria justiça e da (des)honra exercida, quase sempre, sobre o mais fraco. A exaltação de símbolos de poder, autoridade e dominação pelo porte ou posse de armas, blindagens, fortificações e títulos, o exercício da comunicação violenta e do poder econômico sobre um sistema de justiça desigual e, por vezes, retardado. Violência estrutural e estruturante. A política do velho oeste americano em terras tupiniquins, a invocação do falo maior, de quem tem o carro SUV, daquele que grita mais alto com o megafone na mão, seja do telhado do barraco ou da cobertura no Alphaville. A prática do olho por olho na nova velha aliança. Sinais dos tempos em que a agudização da vida (econômica, social, cultural, política) maximiza comportamentos instintivos, próprios do reino animal mais rudimentar. Um soco, um xingamento, um não dito, um esbarrão, uma dívida de dez reais, são passíveis de pena de morte, decretada pelo selvagem que habita em nós. É a desinteligência presente no boletim de ocorrência da nossa existência, capaz de exterminar o outro. O negro é testemunha (viva e morta) de todo esse processo, mas não está sozinho. Resta-nos o vital e indispensável progresso civilizatório. Vidas importam!
(*) Marcos Santiago (santiagoseven@bol.com.br)
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