O prazo de 180 dias para entrada em vigor da Diretriz Nacional sobre Ocupações Destinadas a Garagens e Locais com Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos (SAVE) começa a correr, mas a pressão de entidades setoriais por revisão técnica deve intensificar-se, colocando os gestores de condomínio no mesmo ponto do início da discussão sobre os carregadores elétricos nos condomínios: cautela.
Ao contrário do que se esperava, a Diretriz publicada no dia 26 de agosto não trouxe tranquilidade. O documento do Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (CNCGBM/Ligabom), estabelece regras de segurança contra incêndio para recarga de veículos elétricos. A medida, porém, foi recebida com críticas de entidades do setor, que acusam a norma de criar obstáculos econômicos e discriminar a eletromobilidade.
A responsabilidade de instalação e garantia de eficiência de locais onde haja recarga de veículos elétricos caberá integralmente ao responsável técnico e, ou empresa instaladora, juntamente com o proprietário e responsável pelo uso, e, claro, aos síndicos, que são os representantes legais pelos empreendimentos.
A diretriz também se aplica a edifícios existentes, mas com prazos diferentes. Cada estado definirá o prazo para adaptação, mas as instalações elétricas devem ser feitas imediatamente após os 180 dias de vigência da norma. Isso significa que condomínios que já têm ou planejam instalar pontos de recarga terão que se adequar – e muitas vezes isso envolve obras e custos.
Exigências da Diretriz, na prática
Padronizar nacionalmente regras que, até então, variavam de estado para estado, é o objetivo da diretriz. O documento exige que todas as instalações de recarga sigam as normas técnicas NBR 5410 (Instalações elétricas de baixa tensão); NBR 17019 (Instalações elétricas de baixa tensão – Requisitos para instalações em locais especiais – Alimentação de veículos elétricos) e NBR IEC 61851-1 (Sistema de recarga condutiva para veículos elétricos).
Apenas dois modos de recarga são permitidos, o 3 e 4 (NBR IEC 61851-1), ou seja, os mais modernos e seguros, com comunicação inteligente entre carro e equipamento. O desligamento de emergência exige botão de corte manual a até 5 metros de cada estação de recarga e da entrada da garagem.
Também são estabelecidos como parâmetros mínimos de segurança uma sinalização clara. O ponto de recarga e o disjuntor específico devem estar bem identificados.
Para edificações que possuem apenas uma rota de saída de emergência devem manter um afastamento de no mínimo 5 metros, e a distância necessária deve adotar como referência o perímetro de demarcação da vaga.
Nos edifícios novos é obrigatória a instalação de sistemas de detecção de incêndio, sprinklers (chuveiros automáticos) e exaustão mecânica na garagem.
Nos edifícios existentes, é condicionado a instalação de SAVE à implementação de sprinklers e detecção de incêndio em toda a garagem.
O Cerne da Polêmica: O Item 6 e a “Taxa do Carro Elétrico”
A adaptação de garagens antigas pode sair caro. Sistemas de sprinklers, detecção de incêndio e exaustão mecânica demandam investimento significativo. Além disso, a exigência de projetos técnicos e laudos específicos pode tornar o processo mais burocrático e complexo.
A questão do espaço também preocupa. Em garagens apertadas, afastar as vagas com recarga de rotas de fuga pode reduzir o número de vagas disponíveis, isso sem citar a discussão condominial: como sempre, a aprovação de obras e despesas extras depende da assembleia – e nem todos podem estar dispostos a bancar a instalação para poucos moradores.
Discriminação à eletromobilidade
É neste ponto que uma das associações setorial mais representativa do país, a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), ergueu sua voz em repúdio. Em nota oficial, a entidade reconhece os avanços mas aponta um viés “discriminatório à eletromobilidade”. A crítica é ferrenha: a diretriz puniria especificamente o proprietário que deseja instalar um equipamento de recarga – que, por si só, é um dispositivo de alta confiabilidade e segurança – impondo a ele a obrigação de custear a modernização de toda a infraestrutura de combate a incêndio do condomínio.
A ABVE argumenta, com razão técnica, que isso cria uma assimetria perversa. Uma garagem sem nenhum VE, mas repleta de carros a combustão com tanques cheios de gasolina ou etanol – líquidos altamente inflamáveis – permanece isenta dessa obrigação custosa.
Já o condomínio que busca se modernizar e abraçar a sustentabilidade é penalizado com despesas que podem ser proibitivas, na casa de centenas de milhares de reais. Essa visão setorizada, para a ABVE, é um erro estratégico que desconsidera o risco ígneo inerente a qualquer veículo moderno, independente da sua propulsão.

Erros Técnicos e a Ameaça da Judicialização
Além da controvérsia principal, a ABVE aponta equívocos técnicos no texto. O mais grave deles é a confusão entre “modo de recarga” e “tipo de conector”. A diretriz restringe a recarga aos Modos 3 e 4 mas depois admite “SAVE Tipos 1 e 2” para garagens externas. Esta imprecisão terminológica gera insegurança jurídica e técnica, pois o Modo 1 já é internacionalmente proibido e a classificação por “tipo” não é a mais adequada.
Diante deste cenário, a associação é enfática: se mantida em seus termos atuais, a “judicialização do tema será inevitável”. A nota da ABVE é um claro sinal de que o setor está preparado para levar a discussão para as esferas judicial e legislativa, buscando leis que assegurem o “direito à recarga” sem a imposição de barreiras técnicas ou econômicas consideradas desproporcionais e discriminatórias.
Inovação e Preocupação: The Smarter e South America 2025
Entre os dias 26 e 28 de agosto de 2025, o cenário de inovação energética da América Latina concentrou-se em São Paulo no The Smarter E South America. O evento, que abrigou a Power2Drive South America (feira e congresso dedicados à infraestrutura de recarga e eletromobilidade) e a Eletrotec+EM-Power South America (focada em infraestrutura elétrica e gestão de energia), consolidou-se como um hub de soluções tecnológicas e modelos de negócios para um futuro descarbonizado.
Apesar do clima de otimismo em torno da inevitável transição energética, visivelmente por parte de alguns visitantes pairou no ar uma nuvem de incerteza regulatória.
Mesmo assim, o foco permaneceu na projeção do futuro: um expositor destacou-se ao exibir um “DeLorean DMC-12” – o mesmo veículo icônico de “De Volta para o Futuro “ (1985) –, simbolizando que os carregadores de hoje são a chave para o amanhã. A mensagem era clara: viver o futuro, que para muitos já é presente, exige investir em eletromobilidade.
Enfim, diante de um cenário regulatório em transformação, é fundamental que síndicos, administradores e profissionais do setor condominial busquem orientação especializada e acompanhem de perto as atualizações normativas.
A adequação às novas regras exige equilíbrio entre segurança, viabilidade econômica e inovação. Manter-se informado é preciso para tomar decisões estratégicas que preparem o condomínio para o futuro, sem comprometer a sustentabilidade financeira ou a mobilidade urbana.
(*) Cleuzany Lott – Jornalista, Síndica profissional certificada, Advogada especializada em Direito Condominial com MBA em Administração de Condomínios. Atua como consultora e palestrante em todo país.
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