
Dar boas-vindas ao ano novo, com queima de fogos de artifício, buzinadas, apitos e gritos de alegria, é uma celebração importada da China. Segundo a tradição, o som alto afasta os maus espíritos. Já o costume de soltar foguetes em prédios no Brasil surgiu nos anos 80, no Rio de Janeiro, com a famosa cascata de fogos realizada no 39º andar do extinto hotel Meridien, em Copacabana. Desde então, a virada do ano nas sacadas dos prédios se transformou em moda país afora. Mas o ritual vem perdendo força e, na verdade, já deveria ter sido extinto, em função da poluição sonora, dos riscos de acidentes e do impacto ao meio ambiente.
Na maioria dos condomínios de casa ou prédios, a prática de soltar fogos de artifício é vedada pela convenção e regimento interno. Quando a norma não consta nos documentos internos, as leis e decretos suprem a lacuna. Em Governador Valadares, por exemplo, independentemente da medição de nível sonoro, a Lei nº 3.665, de 30 de dezembro de 1992, proíbe em edifícios de apartamentos, vilas e conjuntos residenciais ou comerciais a produção de ruídos por bombas, morteiros, foguetes, rojões, fogos de estampido e similares.
A mesma norma barra a produção de sons por animais, instrumentos musicais, aparelhos receptores de rádio ou televisão, reprodutores de sons, ou, ainda, de viva voz, de modo a incomodar a vizinhança, provocando o desassossego, a intranquilidade ou o desconforto.
O Código Civil reforça o direito de não ser perturbado pelos festeiros sem noção. A norma determina ao proprietário ou o possuidor usar a edificação respeitando o sossego, a salubridade e a segurança da vizinhança para a boa convivência.
Se os argumentos acima ainda não foram suficientes para impedir que alguém se torne o morador ou vizinho inconveniente, é bom saber que existe uma série de contravenções penais e decretos que trabalham em consonância com o Código Civil.
O Código Penal prevê punição de reclusão de três a seis anos, além de multa para quem expõe a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos.
Na Lei de Contravenção Penal, na parte referente à paz pública, perturbar o trabalho ou o sossego alheio com gritaria, algazarra, abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos, provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda, pode resultar em prisão de quinze dias a três meses ou multa.
Aqui vale uma ressalva: apesar de a queima de fogos ser momentânea, há consequências para os seres vivos, especialmente para os pets. Com o barulho, eles correm o risco de adoecer e até morrer, sendo esse mais um motivo para substituir as celebrações barulhentas.
A queima de fogos é uma forma de poluição atmosférica e sonora. Todavia, poucos fazem essa associação com a Lei de Crimes Ambientais. De acordo com o artigo 54 desse dispositivo legal, ao causar poluição de qualquer natureza que gere danos à saúde humana, a pessoa está suscetível a reclusão ou detenção de até cinco anos, além de multa.
Nesse contexto, e ainda citando a lei de Governador Valadares, elaborada de acordo com o Decreto Federal nº 55.649, são considerados explosivos os fogos de artifício, a pólvora e o algodão-pólvora, as espoletas, os estopins, entre outros. Outrossim, a queima de fogos de artifício e o uso de bombas, busca-pés, morteiros e outros fogos perigosos, nos logradouros públicos ou em janelas e portas que deitarem para os mesmos, acarretará em multa.
Já sabemos que o barulho é prejudicial, que tem consequências para quem o produzir etc. Mas, afinal, como saber o limite entre o direito de comemorar e o dever de não incomodar os outros? Muitas leis municipais estabelecem que o nível sonoro no ambiente externo do recinto não deve ser superior a 70 (setenta) decibéis durante o dia e 60 durante a noite, compreendido entre as 22h e as 6h.
Onde não há legislação específica, a resposta está na Norma Brasileira (NBR) 10.151/2000 da ABNT. Ela regulamenta que o ruído em áreas predominantemente residenciais não deve ultrapassar os limites de barulho de 55 decibéis para o período diurno, e 50 decibéis para o período noturno.
A Organização Mundial da Saúde estabeleceu alguns critérios para serem usados como referência. Segundo eles, o limite de decibéis para o ouvido humano é de 85 a 90. Acima disso, há risco de causar problemas de surdez. Até 50 decibéis, o equivalente a uma conversa em tom de voz normal ou uma rua vazia, são considerados saudáveis. Os problemas começam a surgir entre 55 e 65 decibéis, que correspondem a escritório em funcionamento ou quando assistimos televisão. Nesse cenário, a concentração fica prejudicada e o descanso também. Já a exposição prolongada a ruídos de 65 a 70 decibéis – o equivalente a uma rua movimentada, um restaurante cheio ou a um secador de cabelo – há risco de alterar o estado de saúde e, acima desse índice, causar estresse degenerativo e danos à saúde mental.
Outra dica importante é qualquer pessoa que se sentir incomodada denunciar o barulho em uma delegacia de polícia, na prefeitura ou Polícia Militar, ou representar contra toda a ação ou omissão contrária à legislação e regulamentos de postura. Portanto, não precisa jogar nas costas do síndico. Entretanto, se o síndico for acionado, a recomendação é que ele tome uma atitude, pois o uso de fogos de artifícios em condomínios acarreta em indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidentes. Nesse caso, o gestor corre o risco de ser responsabilizado por negligência no cumprimento de seus deveres.
A dica para começar o ano tranquilo é publicar um comunicado reforçando o que é permitido e o que é proibido nas comemorações do ano novo, lembrando o horário de desligar o som e as normas sanitárias de prevenção à covid. No mais, é brindar a chegada de 2022, pedindo que ele seja extraordinário para todos nós.
* Cleuzany Lott é advogada especialista em direito condominial, síndica profissional, jornalista, publicitária e diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM).
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