A cena parece saída de um filme de terror, mas foi real e repercutiu e todo país: dentro de um elevador de um condomínio em Natal (RN), o ex-jogador de basquete Igor Eduardo Cabral desfere mais de 60 socos contra a namorada. A discussão havia começado na área da piscina, mas terminou confinada entre quatro paredes de metal, diante do olho frio das câmeras de segurança.
A violência que chocou o país deixou marcas profundas, mas também lições que não podem virar apenas estatística. Cada detalhe desse episódio revela muito sobre os riscos que mulheres ainda correm dentro de casa, mas também sobre como a ação imediata e a existência de leis salvam vidas.
A decisão que salvou uma vida
A primeira lição vem da própria vítima. Ao optar por permanecer no elevador, ela tomou uma decisão estratégica que pode ter salvado a vida dela. A delegada responsável pelo caso explicou que fora do alcance das câmeras, no corredor do prédio, a vítima estaria ainda mais vulnerável e a violência talvez sequer fosse registrada.
Este gesto mostra que mulheres em situação de risco frequentemente precisam antecipar a lógica da violência e agir como se estivessem em um jogo de sobrevivência — um retrato doloroso da realidade brasileira.
O porteiro que não se calou
A segunda lição vem de onde muitos casos terminam em tragédia: a portaria do prédio. O funcionário que acompanhava as câmeras agiu sem hesitar, acionando imediatamente a Polícia Militar. Ele foi amparado por uma lei que obriga condomínios em Natal a denunciar indícios de violência doméstica.
A ação foi coordenada: enquanto o porteiro chamava reforço, moradores ajudaram a conter o agressor até a chegada da polícia. A combinação de câmeras, vigilância ativa e coragem pode ter contribuído para que esse caso entrasse para a estatística de feminicídios.

A força da lei
Pouca gente sabe, mas 20 estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, já possuem leis que obrigam condomínios residenciais a denunciar casos ou indícios de violência contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
O Rio Grande do Norte é um deles, e foi essa legislação que deu ao porteiro segurança jurídica para agir sem medo de retaliações ou questionamentos.
Em contrapartida, em cidades e estados sem leis específicas, a decisão de denunciar ainda depende da coragem individual. E o resultado costuma ser silêncio, omissão e mortes evitáveis.
A urgência de uma lei federal
No Congresso, o Projeto de Lei 2.510/2020 aguarda aprovação na Câmara dos Deputados. Ele determina que condôminos, síndicos e funcionários comuniquem imediatamente às autoridades qualquer indício de violência doméstica, além de exigir que avisos sejam afixados em áreas comuns — lembrando que violência familiar não é problema particular: é crime.
Enquanto isso, o país segue convivendo com um pacto de silêncio. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que uma mulher é morta a cada sete horas no Brasil em crimes relacionados à violência doméstica.
Romper o pacto do silêncio é dever coletivo
O caso Igor Cabral expõe a face de um Brasil que ainda hesita em agir diante da violência doméstica, mas também mostra o caminho: tecnologia, legislação e atitude salvam vidas.
Não basta ter câmeras. É preciso que síndicos, vizinhos e funcionários compreendam que ignorar uma agressão é ser cúmplice dela. A Lei Maria da Penha já prevê que família, sociedade e poder público têm o dever de proteger a mulher — e a omissão pode ser crime.
Quando a lei e a coragem se encontram
O elevador de Natal não foi apenas palco de um crime; foi também o cenário de uma resposta coletiva que pode inspirar mudanças.
A vítima sobreviveu porque teve estratégia, o porteiro teve coragem, e o condomínio teve amparo legal para agir. Essa tríade não pode depender da sorte: precisa ser regra em todos os 27 estados brasileiros.
Enquanto o país não transforma em dever nacional o que hoje é obrigação em apenas parte dele, mulheres continuarão correndo risco entre quatro paredes — e o silêncio seguirá sendo o cúmplice mais letal da violência doméstica. Mas cada denúncia feita, cada porteiro atento e cada vizinho que rompe o medo mostram que é possível virar esse jogo.
(*) Cleuzany Lott é presidente da Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção OAB/MG, 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB de Minas Gerais, advogada especialista em Direito Condominial e em Administração de Condomínios e Síndico Profissional, Síndica Profissional, Jornalista e CEO do podcast Condominicando.
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Comments 2
Não consegui assistir ao vídeo todo em momento algum. Porque me faz sentir e pensar nas piores coisas que um ser humano sentiria e faria. A pergunta é: Ela ficou inerte o tempo todo? Desde os primeiros ataques? Nenhuma reação? É aterrorizante tudo isso!! Deus operou milagre na vida dela pois sobreviveu
A selvageria que se viu na ação desse cidadão, é algo inadmissível, inaceitável e inconcebível. Seja lá qual o problema enfrentado. Existe outros meios pra se resolver. Nunca! Jamais! Fazer o que foi feito. Isso foi uma covardia sem precedentes. Repúdio totalmente a atitude desse sujeito.