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Preocupação com a opinião dos outros: quando você não sabe o seu valor

Dr. Lucas Nápoli (*)

Você já deixou de fazer alguma coisa em função do medo de ser criticado? Muitas pessoas abdicam de projetos pessoais porque imaginam que, ao colocarem seus desejos em prática, podem vir a ser alvos do olhar de reprovação de outras pessoas. Esse medo excessivo da crítica acaba sendo uma espécie de vergonha antecipada e leva muitos indivíduos a existirem de modo retraído, contido e pouco satisfatório. Como surge esse medo? Quais são os fatores que o mantêm? O que precisa acontecer para que uma pessoa possa se libertar dele? Essas são algumas das perguntas que tentaremos responder ao longo deste artigo.

A preocupação com a opinião dos outros é um comportamento típico dos seres humanos e não necessariamente deve ser categorizado como patológico. De fato, somos seres sociais, ou seja, nossa existência individual passa necessariamente pela convivência com outros seres humanos. Nesse sentido, é quase inevitável pensar sobre a avaliação que as outras pessoas fazem a nosso respeito. Na verdade, pensar sobre isso e modular o próprio comportamento em função das expectativas do outro são, em muitos casos, ações que nos trazem muitas vantagens. Por exemplo, é indispensável que o funcionário de uma organização se preocupe com a opinião de seu chefe a seu respeito. Afinal, a manutenção de seu emprego bem como as possibilidades de crescimento dentro da empresa dependem em larga medida da avaliação do superior. Da mesma forma, um aluno precisa se preocupar com as expectativas de seu professor, pois são com base nelas que o docente irá elaborar suas avaliações.

Portanto, preocupar-se com a opinião do outro é, em muitas situações, um comportamento saudável e adaptativo. Esta é provavelmente a razão pela qual a tendência para tal comportamento foi selecionada em nossa espécie. No contexto de surgimento do Homo sapiens no planeta, há cerca de 350 mil anos, muito provavelmente era um fator de sobrevivência para um exemplar da nossa espécie saber o que os outros seres humanos pensavam a seu respeito visto que, se a avaliação fosse negativa, isso poderia diminuir significativamente suas chances de continuar vivendo. Com efeito, um dos fatores que garantiram a sobrevivência e proliferação dos seres humanos pelo planeta foi justamente o fato de termos facilidade para formar grupos. Nesse sentido, provavelmente, naquele contexto pré-histórico, uma pessoa que fosse “mal vista” por sua tribo poderia ser simplesmente abandonada pelo grupo ou mesmo assassinada por seus pares.

Apesar de eventualmente ser um comportamento adaptativo, a preocupação com a opinião dos outros pode se tornar um problema quando passa a acontecer em excesso e em situações nas quais ela não é necessária. Por exemplo, quando uma mulher se preocupa excessivamente com a visão que as amigas estão tendo sobre seu novo namorado ou quando um rapaz perde o sono por saber que as fotos que ele tem postado recentemente no Instagram não têm recebido tantas curtidas quanto as publicações de um amigo. Essas duas situações e outras tantas que poderíamos citar como exemplos evidenciam a existência em todos nós de um medo de rejeição ancestral ao qual fiz alusão acima ao falar sobre o contexto de surgimento da espécie Homo sapiens no planeta. Em outras palavras: todo o mundo tem medo de ser abandonado por sua tribo (e, no mundo moderno, nós fazemos parte de diversas delas). É esse medo de rejeição o que está na raiz da preocupação com a opinião alheia. Portanto, quanto maior for esse medo, mais frequentemente e mais intensamente uma pessoa irá gastar energia pensando na imagem que os outros têm dela.

O medo da rejeição pode ser amenizado quando, na infância, somos criados em um ambiente familiar que nos proporciona segurança, confiabilidade e a certeza de que temos um valor intrínseco e invariável. A maioria dos pais consegue oferecer tais condições para seus filhos e é por isso que o problema da preocupação exagerada com a opinião dos outros não acontece com a maioria das pessoas. Certos de que somos amados por nossos pais independentemente do que façamos, adquirimos um senso de aceitação básica que nos dá liberdade para vivermos conforme nossos desejos e valores, sem medo da avaliação negativa do grupo. É claro que ninguém gosta de ser mal visto pelos outros e prefere receber “likes” a “dislikes”. Contudo, quem pôde usufruir na infância da força asseguradora do sentimento de se saber intrinsecamente valioso não se desespera diante de uma reação negativa dos outros; ele se entristece, é claro, mas mantém-se firme, pois pode se refugiar em seu senso de aceitação básica que nenhuma rejeição externa será capaz de destruir.

É por isso que, para que uma pessoa possa se libertar da preocupação excessiva com a opinião alheia, ela terá que desenvolver esse senso de aceitação básica que deveria ter sido gerado na infância. A criação desse senso na adolescência ou na idade adulta é um enorme desafio que pode ser enfrentado e vencido na medida em que o sujeito venha a estabelecer uma relação de forte intensidade afetiva com uma pessoa que lhe transmita segurança, confiabilidade e a certeza de que não precisa conformar-se ao desejo dos outros para ter valor. É uma relação dessa natureza que encontramos em uma psicoterapia.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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