Dr. Lucas Nápoli (*)
Nas últimas décadas, o termo ansiedade passou a ser empregado no senso comum para designar certo tipo de sofrimento psicológico. Embora estejamos acostumados a trabalhar com essa acepção hoje em dia, é preciso lembrar que até há alguns anos não usávamos a palavra ansiedade com tanta frequência nesse sentido psicopatológico. Lembro-me, por exemplo, de que, na minha infância, quando se dizia que uma pessoa estava ansiosa, entendíamos que ela estava intensamente à espera de uma experiência ou da chegada de outra pessoa.
Em outras palavras, me parece que outrora víamos a ansiedade como um estado emocional normal, passível de ser vivenciado por qualquer pessoa em determinadas circunstâncias da vida, e que não se caracterizava necessariamente como fonte de sofrimento. Visão bem diferente da que predomina na atualidade, quando não poucas pessoas afirmam que precisam de terapia porque “sofrem de ansiedade”.
O que mudou de lá para cá? Será que a ansiedade que experimentávamos no passado era mais branda do que a que vivenciamos hoje? Minha hipótese é a de que não se trata disso. Acredito que, de fato, atualmente muitas pessoas experimentam níveis excessivos de ansiedade e isso está relacionado ao modo doentio com que boa parte dos indivíduos vive na contemporaneidade. Portanto, do meu ponto de vista, o que mudou não foi a natureza da ansiedade, mas a frequência e intensidade com que esse afeto se manifesta na vida das pessoas hoje em dia.
Antes de descrever os fatores que me parecem estar associados a esse aumento de frequência e intensidade, é preciso primeiramente relembrar o que é a ansiedade. Como todo ser vivo, o homem tende a se proteger ou se defender de situações que direta ou indiretamente representam ameaças à sua sobrevivência. Quando tais situações são externas, existem basicamente duas formas de se defender do perigo em questão: o enfrentamento ou a fuga. Para que possamos adotar qualquer uma dessas opções, precisamos de certas condições fisiológicas como, por exemplo, uma maior circulação de sangue nos braços e nas pernas. Tais condições são automaticamente estabelecidas no nosso organismo quando interpretamos uma situação ATUAL como perigosa. Essa “interpretação” se expressa por meio do sentimento de MEDO. O medo, portanto, é a reação emocional que indica que estamos interpretando uma situação PRESENTE como ameaçadora.
A ansiedade, por sua vez, é uma modalidade do medo. Ela emerge quando imaginamos uma EVENTUAL situação FUTURA que PODE vir a acontecer e a interpretamos como perigosa. Entendeu? Sentimos medo quando estamos cara a cara com uma situação ameaçadora; sentimos ansiedade quando IMAGINAMOS uma situação futura ameaçadora.
O problema é que isso que eu estou chamando de “imaginação” pode não ser totalmente consciente. Por exemplo: uma pessoa pode começar a se sentir ansiosa antes de ir para o trabalho. Isso indica que algo que imagina poder estar presente no trabalho é interpretado por ela como perigoso. Todavia, quando questionada, essa pessoa não é capaz de descrever imediatamente o que imagina ser ameaçador no ambiente de trabalho. É por isso que muita gente não sabe explicar por que se sente tão ansiosa.
Se tomarmos a ansiedade como uma espécie de medo do futuro, podemos verificar com alguma clareza os fatores socioculturais contemporâneos que colaboram para o aumento expressivo do número de indivíduos que “sofrem de ansiedade”. Com efeito, o mundo atual eleva à enésima potência o foco moderno no futuro. Diferentemente dos medievais que conseguiam descansar no presente cientes de que “o futuro pertence a Deus”, nós, modernos, acreditamos que o futuro é resultado de nossas ações no presente. Ao mesmo tempo, sabemos que isso não é totalmente verdade visto que nossas ações concorrem com as ações de outras pessoas e não se pode negligenciar o peso de fatores absolutamente imponderáveis como uma pandemia, por exemplo.
Espero que você tenha percebido que, no fim das contas, na modernidade temos uma concepção incerta de futuro, uma visão que nos leva a pensar constantemente que “tudo pode ir por água abaixo”. A crença medieval em uma história com final feliz (a realização plena do Reino de Deus narrada no livro do Apocalipse) possibilitava ao sujeito viver sob a égide daquela velha frase água-com-açúcar: “No fim, tudo dá certo. Se não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim.”. Não há como sofrer com ansiedade pensando dessa forma!
Já no mundo moderno, funcionamos com base na ideia de que “No fim, as coisas podem dar certo ou podem não dar; depende…”. Como não viver ansioso tendo essa visão de futuro? A ênfase moderna num futuro a ser inventado coloca sobre os ombros do sujeito uma autocobrança constante (“Se eu não agir, nada acontecerá!”) e uma ansiedade crônica, pois, como não se trabalha com a ideia de uma história com final feliz, mas com uma concepção infinita de história, o futuro só pode ser visto como meta… e perigo.
(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).
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