O que começou como mais um dia de troca de mensagens no grupo de WhatsApp “Assuntos Gerais do Solar” rapidamente se transformou em pauta nacional. No chat de moradores do condomínio Solar de Brasília, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro cumpre prisão domiciliar, surgiram comentários sobre a possibilidade de expulsá-lo. A ideia, nascida em meio a reclamações sobre engarrafamentos, buzinaços e o vaivém de jornalistas na entrada, atravessou os muros virtuais, caiu nas redes sociais e, em poucas horas, estava na imprensa de todo o país.
Algumas mensagens expressavam temor por um cenário semelhante ao de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas:
“Se invadirem o Solar e quebrarem tudo, não adianta mandarem a conta para eu pagar”, escreveu um morador.
“Quando os baderneiros invadirem e quebrarem tudo, vão mandar a conta para quem?”, reforçou outro.
Outros moradores tentaram frear a escalada da discussão:
“Esse clima de caça às bruxas não leva ninguém a nada. Sendo ele inocentado ou condenado, ele é só um inquilino que daqui a pouco nem mora aqui mais.”





Repercussão força posicionamento
A avalanche de repercussões fez com que a administração do condomínio emitisse um comunicado oficial. A mensagem foi direta: não existe pedido formal para expulsar Bolsonaro e, ainda que houvesse, a medida não teria base legal.
O texto também reforçou que o condomínio é neutro em assuntos políticos e que a liberdade de imprensa, quando exercida em via pública e de forma pacífica, não pode ser restringida. Outro ponto abordado foi a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): divulgar mensagens privadas ou imagens de moradores sem consentimento pode gerar responsabilização jurídica.


O que diz a lei
A Lei do Inquilinato determina que um inquilino só pode ser retirado do imóvel por falta de pagamento, descumprimento de cláusulas contratuais, mau uso da propriedade ou outras hipóteses específicas previstas em contrato ou na legislação.
No caso de Bolsonaro, não há notícia de inadimplência nem de uso inadequado do imóvel. Os transtornos relatados — manifestações, congestionamentos e presença da imprensa — ocorrem em espaço público e são causados por terceiros, não pelo próprio morador. Assim, medo e desconforto não são motivos juridicamente válidos para um despejo.
Um problema que vai além dos muros de luxo
Apesar de ter ocorrido em um condomínio de alto padrão, o episódio reflete dilemas comuns a diversos tipos de residenciais no Brasil: conflitos entre o direito individual de permanecer em um imóvel e a tranquilidade buscada pela coletividade. Em bairros de diferentes perfis, vizinhos já se viram às voltas com casos de festas constantes, disputas políticas e receio de confusões envolvendo moradores ou visitantes.
O caso do Solar de Brasília ganhou destaque porque envolve um ex-presidente e carrega simbolismos recentes, como o trauma do 8 de janeiro. Mas, no fundo, é uma história sobre os limites da convivência e da lei.
No desfecho imediato, Bolsonaro permanece no condomínio, amparado pela legislação. A administração, pressionada pela repercussão nacional, agiu de forma assertiva ao desarmar a tensão e reafirmar regras básicas: respeito à lei, preservação da neutralidade e cuidado com a privacidade.
O episódio deixa claro que, em tempos de redes sociais, uma conversa de grupo de condomínio pode atravessar portarias, derrubar a fronteira do bairro e se tornar notícia no país inteiro — mas nem todo barulho se traduz em base legal para despejo.
(*) Cleuzany Lott é síndica, palestrante, jornalista, e advogada com especialização em Direito Condominial, MBA em Administração de Condomínios e Síndico Profissional (Conasi). Como Síndica profissional, presta consultorias para síndicos, administradoras, construtoras e incorporadoras em todo o país.
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