Tenho certeza de que você conhece alguém que chama o cachorro de “filho” e o gato de “bebê”. Pois é: gostemos ou não, os pets deixaram de ser apenas animais e hoje ocupam lugar de destaque dentro das famílias brasileiras — inclusive dentro dos condomínios.
Eu mesma vivo essa realidade. Sou mãe do Lucas, de 17 anos, da Kiwi, uma husky siberiana que vai completar dois anos no próximo mês, e do Mostarda, uma calopsita de três anos. Entre a mochila da escola e o pote de ração, percebo como a convivência com animais deixou de ser acessório para se tornar parte essencial da vida doméstica.
Os números confirmam: já existem mais de 160 milhões de animais de estimação no Brasil, superando o total de crianças com menos de 14 anos. Só nos apartamentos, mais de 37 mil bichos dividem espaço com moradores — 66% cães e 31% gatos. O resto vai de aves a cobras, ouriços e até cabras! Isso sem falar na onda de pets exóticos que já bate à porta dos condomínios.
E se os animais estão dentro de casa, eles também estão dentro das regras. O Código Civil está em atualização: pets não são mais tratados apenas como “bens semoventes”. Ganharam o status de seres sencientes, com proteção jurídica própria. Isso significa que, na prática, um cachorro pode não assinar uma ata de assembleia, mas já pode ser representado em uma ação judicial. O número de processos com animais como autores está crescendo, assim como casos em que casais disputam na Justiça a guarda do “filho de patas” e até o pagamento de pensão alimentícia.
RG para cães e gatos: uma nova realidade
O reconhecimento jurídico dos pets avançou tanto que já existe, no Brasil, um RG para cães e gatos. O SINPATINHAS – Sistema do Cadastro Nacional de Animais Domésticos permite registrar cães e gatos em um banco de dados nacional. Tutores, ONGs e municípios podem emitir a carteirinha de identificação, que funciona como um verdadeiro documento oficial. Ela inclui um QR Code que pode ser fixado na coleira, possibilitando que, em caso de perda, qualquer pessoa consiga localizar o tutor e ajudar o animal a voltar para casa.
Mais do que identificação, o RG Pet é um instrumento de política pública. Ele gera dados essenciais sobre quantos cães e gatos existem no país, quantos foram castrados ou microchipados e onde estão. Essas informações são fundamentais para orientar investimentos e políticas de saúde animal. Hoje, o Brasil tem aproximadamente 62,2 milhões de cães e 30,8 milhões de gatos.





Embora o cadastro seja voluntário para a maioria dos tutores, ele é obrigatório quando há uso de recursos do Governo Federal — como em emendas parlamentares destinadas à castração e microchipagem.
Essa ideia também não é tão nova: desde 2001, a cidade de São Paulo já conta com o Registro Geral do Animal (RGA), obrigatório por lei (Lei Municipal 13.131/01). Tutores maiores de 18 anos devem registrar cães e gatos a partir dos 3 meses de vida. O registro gera uma carteirinha digital e uma plaqueta de identificação com o número do RGA e o telefone da Prefeitura.
Condomínios e os desafios da vida multiespécie
Dentro dos condomínios, esse novo status jurí dico gera inúmeros desafios. As reclamações mais comuns são conhecidas: 45% estão ligadas a barulho, seguidas por problemas de higiene, uso das áreas comuns e comportamento. Para o síndico, aplicar multa parece uma solução rápida, mas será suficiente? Afinal, não estamos mais falando de objetos, e sim de seres reconhecidos pela lei como dotados de sensibilidade — e agora até com carteira de identidade.
A casa e a família já eram bens juridicamente protegidos. Agora, os animais de estimação entram nesse núcleo como membros queridos, o que transforma disputas aparentemente simples em discussões jurídicas complexas, envolvendo direitos fundamentais.
Por isso, cresce a importância da mediação animalista em condomínios: uma prática voltada a resolver conflitos de forma pacífica, sem esquecer que estamos lidando com famílias multiespécie.
Administrar pets em condomínio, portanto, exige mais do que repetir regras. Exige conhecimento da lei, sensibilidade e preparo para entender que estamos diante de um novo gênero jurídico: seres que não são pessoas, mas também não são coisas — e que já ocupam lugar central na vida dos moradores.
Porque, afinal, pet não é gente. Mas, dentro do condomínio, ele já é vizinho — e agora, vizinho com RG.
(*) Cleuzany Lott é síndica, palestrante, jornalista, advogada com especialização em Direito Condominial, MBA em Administração de Condomínios e Síndico Profissional (Conasi), Presidente da Comissão de Direito Condominial e membro da Comissão de Direito Animal da 43ª Subseção da OAB-MG, Governador Valadares.
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Comments 1
Boa tarde!!
Vou fazer a carteira de identidade dos meus aumigos!!! ❤️❤️👏🏻👏🏻🙏🏻🥰