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O ouvir e o escutar

FOTO: Freepik

Então é Natal, e o que você fez? Pois bem! Chega a época de darmos satisfação para a Simone, cantora desse refrão musical, cuja letra é de Cláudio Rabello, tradução adaptada da canção de John Lennon e Yoko Ono, pela paz. Só aí já é bastante gente para se dar explicações. É hora de balanços e fechamentos anuais, de check-out, check-list e check-in, para com a própria consciência, para com os de casa, a vizinhança e as postagens on-line. E com o divino, é claro. Para o natural e o sobrenatural. Afinal, a gente precisa ver e rever o que nossos Três Reis Magos (que poderiam ser o Id, o Ego e o Superego) têm a apresentar, aos pés do Menino-Deus, nas manjedouras da vida.

A mudança relativa, temporal, contínua e formal de um ano para o outro, de um dia para o outro, de uma casa para outra, entre cidades, nesse mesmo planeta — ainda azul — muitas vezes é pro forma. Até ouvimos a canção inquisidora, mas poucas vezes a escutamos, de fato. Ouvimos no processo biológico de captação das ondas sonoras, sua transformação em sinais elétricos ao cérebro, onde adquirem significados. E o que ouvimos vem e vai, com muitas e muitas interpretações. Prova disso são os múltiplos partidos políticos, as variações religiosas de crença e fé e as muitas teses sobre os benefícios e malefícios do café!

Ariano Suassuna já cantou essa pedra, de que “ao redor do buraco, tudo é beira”. A gente segue no limite. Entre ouvir e escutar. Porque escutar requer mais, bem mais. É um buraco de minhoca misterioso, grandioso. Escutar exige tempo, empatia e o paraquedas da mente aberta, conforme alertou Albert Einstein. Sem essas raras ferramentas, a queda no solo duro e automático do julgamento é precipitada e rotineira, numa lógica de pressa e pratos feitos. É preciso correr, até na terapia, em quarenta e cinco minutos.

O mundo hoje tem muitas vozes. Todos andamos ouvindo vozes, desde o que disse Rousseau, lá atrás, até “Gabriel, o Pensador”, passando pela homilia do padre João, pelo influencer da vez e pela saudosa tia Edésia, da turma do infantil. Fora a Simone, da bendita música natalina. Tantas vozes que podem nos confundir, desfocar, se não houver clareza de onde e como se quer chegar, a cada dia.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”, revela Carl Jung. Entre o ouvir e o escutar está a indispensável necessidade do devido processo legal, de se conhecer a causa, fora do simples rito de sentenças já dadas sobre tudo e sobre todos. O rio tem peixe, mas não é peixe. A maioria das coisas tem ciência, tem método (contém), mas não são, por si só, ouro puro, de 24 quilates. Até porque o ouro puro é sensivelmente maleável para o uso prático na fabricação de joias. Maleável.

A razão da ciência está bem dada no processo de busca da tese, da antítese e da síntese. Seu uso não basta em si, mas está em si, diluído no processo. O método científico é seguro, mas não está isento da escolha entre ser aplicado na busca da cura do câncer ou na fabricação da bomba atômica.

Antonio Machado (outra voz batendo na nossa porta) constata que “no hay camino, se hace camino al andar”. Eis que contenho razão, mas não sou ela. Tenho coração. Ainda que não nele, o todo. Escutar requer humanidade, e O quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, é uma excelente oportunidade de escuta, que pulsa.

Para um ano que finda e outro que começa, que venha a escutatória, como ouro maleável. Assim como o Rei Mago Belchior presenteou ao Cristo, nascido gente. Também nosso Belchior, cantor, a quem escuto hoje, dando ciência de que:

Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Mas trago de cabeça uma canção (…) em que um antigo compositor baiano dizia: tudo é divino, tudo é maravilhoso! Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho (…).


(*) mARCos sANtiAGo | santiagoseven@bol.com.br

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