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História do Rio Doce – VIII

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola

Não sei se o leitor tem o costume, ao sair em viagem ou quando passeia pela região, de observar a paisagem formada por morros pelados, sem qualquer vegetação; pastos degradados sem criação pastando; ou as terras tomadas pelas aroeirinhas, que no inverno lembram as matas da caatinga nordestina. Tudo isso já foi muito diferente, pois nós estamos no bioma da Mata Atlântica.

A paisagem de hoje conta a história de como foi nosso relacionamento com a natureza exuberante que aqui existia: uma relação destrutiva. Vou continuar a contar um pouco da história dos primeiros tempos da colonização do Vale do Rio Doce, pois assim podemos fazer uma ideia de como era essa nossa região antes do século XX.

Em 1827, o presidente da província de Minas Gerais, visconde de Caeté, recebeu um requerimento de Jean-Antoine de Monlevade solicitando auxílio no transporte dos equipamentos, máquinas e material para a instalação da siderúrgica que pretendia construir no distrito de São Miguel do Piracicaba. O único meio de fazer chegar até o local escolhido (atual João Monlevade) era subindo o rio Doce, desde a sua foz. Em despacho datado de 13 de março de 1827, o visconde de Caeté ordenou ao comandante geral, Guido Marlière, que prestasse todo auxílio, através das divisões militares do rio Doce. A missão era pegar toda a carga na foz do rio Doce e transportar nas canoas militares até o rio Piracicaba, subindo com ele até o local conhecido como Porto de Canoas (próximo a Antônio Dias), a cerca de 60 km do destino. Nas palavras do presidente da província de Minas Gerais: “pelo seu peso não tinham outro método de introduzir em Minas”. Portanto, em 1827, as canoas militares da Sexta Divisão Militar, outras emprestadas pelas demais divisões, todo efetivo militar e muitos índios, todos estavam envolvidas no transporte das máquinas para a siderúrgica do francês Monlevade. Foi um trabalho gigantesco e heróico, porém, executado até o fim. Em 1828 começou a ser erguida a fábrica de ferro do francês Jean de Monlevade.
Nesse ano, o governo recomenda promover uma “viagem metalúrgica por todo o rio Doce”, com o objetivo de levantar seus potenciais em minério de ferro. Segundo o governo, a maior parte dos afluentes do rio Doce ainda era desconhecida e não tinha sido penetrada por nenhum naturalista. Segundo o governo, no passado havia o perigo dos índios botocudos, mas que não existia mais. Em agosto de 1827, o visconde de São Leopoldo comunicava ao presidente de Minas em exercício, cônego Santa Apolônia, que foram apresentadas ao imperador as propostas de Marlière sobre a importância da navegação do rio Doce e a do rio Suaçuí Grande para a ligação de toda a zona da Quinta Divisão Militar (Peçanha) ao Serro e Sabará, o desenvolvimento do comércio e mineração e para a civilização dos Naknenuks.

Entretanto, apesar de todo esforço e das divisões militares terem comprovado a possibilidade de navegação com canoas pelo rio Doce, ao transportar as máquinas para a siderúrgica de Monlevade, no caso dos afluentes o problema era praticamente sem solução. Na verdade, a navegação regular de particulares não existia e continuava um serviço militar e arriscado. Os náufragos que escapassem da morte no rio corriam o risco de padecer de fome em alguma ilha, à espera de socorro, ou de se perderem na mata. Em dezembro de 1828, um relatório de Marlière à presidência de Minas informava que as ordens dadas ao alferes comandante da 5ª DMRD não podiam ser executadas, porque esse acabara de ser assassinado. No mesmo documento, informa que a Quinta Divisão era responsável por uma linha divisória de defesa de cerca de 400 quilômetros, mas que contava somente com 60 praças, distribuídos entre Peçanha e o quartel de Ramalhete (Virgolândia). Portanto, não haveria meios de estabelecer a linha divisória de postos militares pedidos pelo governo, para impedir a entrada de índios nos povoados.

Em relação à navegação do rio Suaçuí Grande, o entusiasmo deu lugar à constatação de que não tinha futuro devido ao grande número de empecilhos naturais e à falta de canoeiros práticos. O presidente de Minas envia correspondência ao Secretário de Estado dos Negócios do Império (ministro) se queixando dos grandes gastos orçamentários com as Divisões Militares, sem que tivessem colhido qualquer retorno para a Fazenda Pública. A expectativa de aproveitamento econômico começava a se desfazer, diante das muitas dificuldades de estabelecer a colonização nas matas do rio Doce. O governo, no entanto, ainda não tinha desistido dessa impossibilidade e determina que Marlière tome uma série de providências para efetivar a navegação, como meio de possibilitar a colonização da região e fazer os frutos aparecerem.

Diante da insistência do governo de avançar na colonização das matas do rio Doce e navegação do rio Suaçuí Grande, Marlière respondeu rispidamente ao presidente de Minas, em abril de 1829, dizendo que não podia colocar um soldado prático em cada canoa por não haver nenhum praça hábil para a função na Quinta Divisão; também descarta a possibilidade de manter guardas das divisões em cada uma das cachoeiras e na barra o Suaçuí, pois eram onze cachoeiras e não havia homens para tanto. Reafirma que é impossível a navegação desse rio, tentada várias vezes. Reclama que não recebeu recurso para abrir os caminhos paralelos, para as canoas ultrapassarem as cachoeiras, nem para abrir os grandes roçados em cada um desses lugares no Suaçuí Grande, como ordenou o governo. Com relação ao rio Doce, diz que tomou as providências para a segurança contra os índios, auxílio às canoas do comércio e até meios para varar as cachoeiras, como a Escura. Conclui dizendo que o Conselho do Governo pedia muito e até coisas impossíveis na navegação, mas estava impossibilitado de cumpri-las. Espero que faça uma imagem das dificuldades que foram vencidas para o homem “civilizado” se estabelecer no rio Doce nos primeiros tempos.


Professor do Curso de Direito da Univale
Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT
Doutor em História pela USP

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