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Entenda por que você não consegue se concentrar

por Dr. Lucas Nápoli (*)

Ao longo desses mais de dez anos atendendo pessoas em psicoterapia, percebo que muitas queixas se repetem denunciando as formas de adoecimento emocional típicas de nosso mundo contemporâneo. Uma dessas queixas é a dificuldade de concentração. Na maioria das vezes ela aparece associada a outros problemas, mas eventualmente pode se apresentar como o principal sintoma no quadro clínico. A pessoa costuma descrever essa dificuldade dizendo que não consegue permanecer consistentemente focado em uma determinada atividade. Uma ilustração recorrente utilizada pelos pacientes é a seguinte: “Se eu estiver estudando e começar a ouvir o zumbido de uma mosca, eu perco a concentração na matéria e passo a prestar atenção no inseto”. Portanto, a dificuldade de concentração diz respeito a uma resistência momentânea ou crônica à quietude necessária para o foco em uma determinada atividade. É por isso que, não raro, tal problema se mostra associado a um excesso de agitação (hiperatividade).

Por que algumas pessoas sofrem desse mal e por que no mundo contemporâneo estamos aparentemente vivenciando uma epidemia de dificuldade de concentração? Um fator social importante a ser levado em conta é o excesso de estímulos aos quais somos submetidos na vida moderna, sobretudo após o advento dos smartphones. Diferentemente da época em que precisávamos esperar a volta para a casa para podermos “entrar na internet”, atualmente estamos conectados à web o tempo todo graças à ampliação da internet móvel e da ubiquidade dos aparelhos celulares. Essas circunstâncias fazem com que nossa atenção seja continuamente atraída para as múltiplas e diferentes notificações de aplicativos e redes sociais. Mal comparando, seria como se no século passado ficássemos recebendo ligações telefônicas a todo o tempo, uma atrás da outra. Em outras palavras, no mundo contemporâneo estamos ininterruptamente sendo solicitados a parar o que estamos fazendo para verificar notificações que pipocam na tela de nossos smartphones.

A maioria das pessoas, especialmente as mais jovens, não experimenta esse fluxo constante de interrupções como algo desagradável. Com efeito, verificar que curtiram sua foto numa rede social ou que alguém está querendo conversar com você em um aplicativo de mensagens podem ser experiências muito agradáveis. Por isso, muitas pessoas acabam se habituando às constantes interrupções e encarando-as como um aspecto natural da vida cotidiana. O problema é que esse hábito destrói a capacidade de prestar a atenção em uma mesma atividade durante muito tempo. A alma acostumada a ser interrompida passa a desejar as interrupções, já que elas oferecem recompensas muito mais imediatas e saborosas do que a atenção plena numa única coisa. Não se assustem, mas o mecanismo é exatamente o mesmo que produz a dependência química. De fato, ao experimentar nas primeiras vezes determinada droga, o sujeito percebe que obtém uma dose de prazer que ele não consegue alcançar no cotidiano de forma tão rápida e imediata. Resultado: ele pode acabar abdicando da busca de prazer por outros meios, os quais demandam tempo, esforço e paciência, para se dedicar unicamente ao gozo imediato proporcionado pela substância entorpecente.

Nesse sentido, podemos dizer que uma das origens da dificuldade de concentração é a recusa do sujeito ao adiamento de suas gratificações. Estudar, por exemplo, na maioria das vezes e para a maioria das pessoas não é uma tarefa prazerosa. Contudo, trata-se de uma atividade que pode resultar em gratificação no futuro, seja na forma de uma boa nota ou da aprovação em um concurso público. Assim, uma das razões pelas quais uma pessoa pode não conseguir se concentrar nos estudos, por exemplo, seria a resistência a aceitar que o prazer pela dedicação àquela atividade poderá vir só algum tempo depois. A perda de foco revela a busca inconsciente do sujeito por uma gratificação imediata. Dito de outro modo, ao se desconcentrar da atividade, é como se a pessoa estivesse dizendo para si mesma: “Eu não aceito ter que esperar tanto tempo para ter prazer. Eu quero agora, imediatamente, como uma notificação de Whatsapp”.

Outra fonte da dificuldade de concentração é o medo do silêncio psíquico que o foco requer. Explico: para conseguirmos prestar atenção em uma única atividade, precisamos fechar todas as portas e janelas da nossa consciência, ou seja, não podemos permitir que nossa atenção seja atraída para outras coisas naquele momento. Quando fazemos isso, nossa alma entra num estado de silêncio e quietude, condição favorável para as tentativas de retorno dos pensamentos, fantasias e impulsos que costumamos manter reprimidos.

Conteúdos que sofreram repressão de forma muito severa e intensa no passado costumam causar muito incômodo quando tentam retornar à consciência, causando ansiedade, a qual pode se manifestar por meio do desassossego, da agitação, do balançar constante das pernas, da compulsão por roer unhas ou tirar fios de cabelo, dentre outros sintomas. Assim, o sujeito não consegue se manter concentrado na atividade porque algo de natureza inconsciente fica atraindo sua atenção. Como se trata de um conteúdo reprimido, a pessoa não tem consciência do que está perturbando sua alma e causando a dificuldade de concentração. Tudo o que ela sabe é que não está conseguindo manter o foco.

(*) Psicólogo/Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogoclínico em consultório particular, Psicólogo da UFJF-GV, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem, necessariamente, a opinião do jornal.

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