Durante anos, quem comprava um imóvel financiado acreditava estar protegido de certas consequências jurídicas. Entre elas, a possibilidade de perder o bem por dívidas de condomínio. O raciocínio era simples: “o imóvel ainda é do banco, então o condomínio não pode me cobrar com penhora”. Essa crença, muito comum entre compradores da Caixa e de outras instituições, acaba de ruir diante de uma decisão histórica do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Um divisor de águas no STJ
A Segunda Seção do STJ julgou em conjunto três processos (REsp 1.929.926/SP, 2.082.647/SP e 2.100.103/PR) e decidiu, por maioria, que é possível penhorar imóveis financiados — com alienação fiduciária — para cobrança de dívidas de condomínio. A decisão altera o entendimento que vigorava na maioria dos tribunais do país e consolida uma virada jurisprudencial.
Antes, prevalecia o argumento de que o imóvel pertencia ao banco até a quitação total do financiamento. O condomínio, nesse cenário, não podia executar o bem, já que o devedor ainda não era o “proprietário pleno”. Na prática, os inadimplentes se escoravam nessa brecha e, muitas vezes, deixavam de pagar o condomínio por anos, enquanto o ônus recaía sobre os vizinhos.
A dívida que “gruda” no imóvel
O novo entendimento parte de um princípio jurídico antigo, mas que muitos ainda desconhecem: a dívida condominial é propter rem, expressão latina que significa “por causa da coisa”. Isso quer dizer que a obrigação de pagar as cotas está vinculada ao próprio imóvel — e não apenas à pessoa que o possui.
Para os ministros do STJ, não faria sentido proteger quem deixa de pagar o condomínio apenas porque o imóvel está financiado. Afinal, é o morador — e não o banco — quem usufrui das áreas comuns, dos serviços, da segurança e da manutenção. Permitir que a dívida ficasse sem cobrança efetiva penalizaria os condôminos adimplentes e desequilibraria as finanças do condomínio.
Com essa lógica, o Tribunal entendeu que o imóvel pode, sim, ser penhorado, ainda que esteja sob alienação fiduciária. O banco será notificado e poderá se manifestar, mas a dívida não fica imune à execução.
O impacto para os compradores financiados
Para quem adquiriu um apartamento ou casa em condomínio por meio de financiamento, a mensagem é clara: a inadimplência condominial agora representa um risco real ao próprio imóvel. Mesmo que o bem ainda esteja sendo pago ao banco, ele poderá ser incluído em execução judicial movida pelo condomínio.
Em outras palavras, o argumento “não preciso pagar porque o imóvel é do banco” deixou de existir. O proprietário fiduciante, mesmo sem a escritura definitiva, continua sendo responsável pelas obrigações ligadas ao bem. Se não pagar, o imóvel pode ir a leilão para quitar o débito.
Essa mudança afeta diretamente milhares de mutuários da Caixa e de outras instituições financeiras. Muitos deles não faziam ideia de que as cotas de condomínio poderiam gerar consequências tão sérias quanto as parcelas do financiamento.
O que muda para os condomínios e bancos
Para síndicos e administradoras, a decisão representa uma conquista significativa. A partir de agora, o condomínio tem respaldo jurídico para cobrar de forma mais eficaz e recuperar valores que antes pareciam perdidos. A penhora de um imóvel financiado deixa de ser tabu e se torna uma ferramenta legítima de cobrança.
Os bancos, por sua vez, precisarão redobrar a atenção. Ao conceder financiamentos, será necessário verificar se há débitos condominiais pendentes e, possivelmente, incluir cláusulas específicas de responsabilidade em caso de inadimplência. Isso porque a execução pode afetar diretamente o bem que serve de garantia ao próprio financiamento.
Responsabilidade que não se financia
A decisão da Segunda Seção do STJ traz um recado contundente: viver em condomínio é assumir compromissos que vão além do contrato com o banco. O financiamento pode parcelar o sonho da casa própria, mas não parcelará a responsabilidade de quem escolhe morar em comunidade.
Para o comprador, o alerta é urgente. Se há atraso nas cotas, o melhor caminho é negociar o quanto antes com o condomínio. Juros, custas judiciais e risco de penhora podem transformar uma dívida administrável em um problema gigantesco.
E para os síndicos, a orientação é clara: não há mais desculpa para deixar de cobrar o inadimplente. A Justiça reconheceu que a coletividade não deve pagar a conta de quem ignora suas obrigações.
Um novo tempo para a vida em condomínio
A decisão do STJ inaugura uma nova fase nas relações condominiais. Ao reconhecer que a dívida acompanha o imóvel, mesmo financiado, o Tribunal protege o interesse coletivo e reforça o princípio da convivência responsável.
Quem compra um imóvel, financiado ou não, precisa entender: condomínio não é opcional, é parte do contrato social de viver em comunidade. E, a partir de agora, não pagar pode custar mais do que juros e multas — pode custar o próprio imóvel.
(*) Cleuzany Lott é advogada com especialização em Direito Condominial, MBA em Administração de Condomínios e Síndico Profissional, Presidente da Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção da OAB-MG, Governador Valadares e 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial de Minas Gerais, síndica, jornalista e palestrante.
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.






