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Regiane, uma brasileira

FOTO: Pexels

Regiane é uma brasileira como milhões de outras. Acorda cedo, trabalha longe, volta cansada. A vida é uma eterna correria. Não atua na área que sonhou, não vive mais no corpo que já teve, não se diverte com as séries que gostaria de acompanhar. Os livros estão abandonados. Não se alimenta como deveria e nem a quantidade ideal de água por dia consegue beber.

Há um pouco mais de poeira em casa do que Regiane um dia pensou admitir. Nas relações pessoais também. É difícil dar a devida atenção à família; e já faz tempo que ela não se senta em uma mesa de bar despreocupada para jogar conversa fora. Regiane trabalha muito, mas não recebe nem perto do que acredita merecer.

O controle financeiro não anda nada bem. As coisas custam caro. O saldo não fecha mais: sai mais dinheiro do que entra. A primeira conta atrasou. Mais uma. Ficou aflita. Não deu para pagar o cartão. Bloquearam. Regiane recebeu uma cobrança, foi constrangedor. Outra ligação. Virou rotina.

Regiane resolveu trocar de número de celular e se livrar dos telefonemas. E eu, que não tinha nada a ver com a história, comprei um chip novo. Com o número que até outro dia era da Regiane.

Eu não conheço a Regiane, muito menos a história dela – mas deve ser mais ou menos por aí. Aliás, já repeti algumas dezenas de vezes ao telefone: “Não, este número não é dela. Não, eu não conheço a Regiane. E não, não sei outra forma de contato com ela”. O que eu sei é que os cobradores não acreditam, dá para perceber no tom de voz meio irônico do agradecimento.

Também já perdi as contas de quantas vezes pedi para retirar o meu número do cadastro de infinitas empresas de cobrança. Em todas confirmaram que excluiriam, o que nunca foi feito. Questão de tempo até a próxima ligação. Parei de atender chamadas, foi o jeito.

Graças à Regiane, eu sei que as mensagens de texto por SMS ainda existem. Eu, ou melhor, ela recebe várias. A última foi um dia desses e informava que o desconto foi atualizado. Uma anterior falava de uma “superproposta especial” para regularização do débito. Outra, há dois meses, anunciava um benefício válido só até as 20h daquele dia ou ele seria cancelado. Se eu realmente tivesse o atual número da Regiane, teria encaminhado a mensagem sobre essa chance.

Um SMS falava em “oportunidade imperdível”; outro convidava: “negocie amigavelmente”. Mais um, do ano passado, oferecia incríveis 98% de desconto no que seria a “última oportunidade de renegociação”. Eu até gostaria que fosse a última mesmo, mas nunca é. Teve até uma oferta especial de Dia dos Pais. A cobrança mais bonitinha perguntava educadamente: “Regiane, quanto cabe no seu bolso?” O problema é justamente que o telefone que recebeu a mensagem não estava no bolso dela.

Uma vez, em uma viagem mais longa de Uber, meu celular chamou, um número desconhecido. À toa no trânsito, mas já prevendo o assunto, atendi. “Não, este número não é dela.” Abri o coração para o telefonista: jurei que não conhecia a Regiane e que não aguentava mais receber ligações em busca dela. Fui ao limite: perguntei quanto ela devia e disse que, a depender das condições, eu pagaria, desde que ele garantisse que nunca mais me procurariam. Gargalhadas do motorista e do atendente, que não me falou o montante, mas prometeu que retirariam meu número do cadastro. Também não o fez.

Vi que o governo federal lançou recentemente um programa para renegociar dívidas e limpar nomes de milhões de devedores. Claro, lembrei da minha amiga. Tomara que a Regiane aproveite, resolva de vez as pendências financeiras e recoloque a vida no lugar.

Boa sorte, Regiane! Desejo de verdade que o seu futuro seja mais próspero. E que, enfim, eu nunca mais tenha notícias suas.


(*) Mineiro, jornalista e mochileiro.


Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir.

Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.

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