Que susto. Estava em uma festa, longe de casa, buscando a distração para uma vida que aceleramos deliberadamente, quando minha esposa me mostra o celular e diz que Washington Olivetto morreu. “Morreu?” Foi esta a minha reação estupefata. Como pode? Um dos maiores da história da publicidade. Tão jovem. Ora, para uma pessoa da classe social dele, que tinha acesso a tudo, falecer com 73 anos, embora não seja exatamente raro, costuma soar como algo trágico. Portanto, todo respeito e sentimento à família. Mas, para a comunicação, não se trata de uma tragédia. É, na verdade, mais uma oportunidade de celebração de alguém que, ainda vivo, já era uma lenda.
Sempre costumo falar, para alunos, amigos, parentes e afins, que não tenho ídolos. Mas tem muita gente da minha profissão — e de outras — que admiro muito. Na publicidade, Nizan Guanaes, Marcello Serpa, Fabio Fernandes, Carla Madeira, João Anzanello Carrascoza. No jornalismo, Nilson Lage, Caco Barcellos, Elio Gaspari, Geneton Moraes Neto. Nas demais áreas, Tarantino, Woody Allen, Milton Nascimento, Jorge Ben, Paulo Mendes da Rocha, Paulo Leminski, Gal Costa, Adriana Calcanhoto, Beyoncé. Uma lista interminável, porque felizmente só aumenta com o passar dos dias.
Acontece que Washington Olivetto foi o cara da publicidade que mais se aproximou das demais áreas e transitou por elas. Ele sempre pregava isso. Publicitários devem pensar menos em publicidade e pensar mais no mundo, no comportamento, nos lugares, nos sabores e nas ideias que habitam o planeta. Claro que ele não era o único a pensar assim. Por sinal, qualquer profissional de comunicação que se preze — e há vários — sabe que o jogo é este. Já aqueles que ficam simplesmente envolvidos no próprio universo não passam de reproduzir o que os outros imaginaram. Podem até ganhar um bom dinheiro, mas serão apenas replicadores. Enfim, voltando a Washington, talvez ele seja o publicitário brasileiro que mais soube viver e sentir o gosto do mundo.
Quando, ali no início dos anos 2000, comprei o livro “Os piores textos de Washington Olivetto”, uma reunião de artigos escritos por ele para jornais, revistas e outros fins, pude entender o tamanho daquele personagem. Os tantos passeios pela Europa. Os incontáveis prêmios pelo mundo. A tradução dos prazeres da vida em insumos para a produção de conteúdo relevante. Era possível perceber, pelo menos para mim, que ele não escrevia com a “simples” intenção de demonstrar seu status — que, afinal, já conhecíamos bem. Ele escrevia, sobretudo, para dar aos leitores a oportunidade de enxergar a vida tal qual ele via. Se não der para ser na Europa, que seja em Santa Catarina, ou na cidade vizinha à sua, ou em um filme, um livro. O negócio é treinar os sentidos.
A W/Brasil, agência da qual Olivetto foi sócio e onde se consagrou de forma absoluta, talvez seja a única das grandes agências brasileiras que tem uma biografia. E não é qualquer biografia. “Na toca dos leões” tem como autor ninguém menos que Fernando Morais, uma espécie de Washington Olivetto das biografias, que já contou histórias como as de Assis Chateaubriand, Paulo Coelho e Lula. O livro é uma delícia, com trajetória bem escrita, claro, e casos e lições emblemáticos. “Direto de Washington”, livro escrito pelo próprio Olivetto para contar suas memórias, também tem muitos casos que são um valioso registro histórico da nossa propaganda. Mas o autor tinha tantas memórias que, depois, teve que lançar uma “Edição Extraordinária”, a partir de muitos momentos reivindicados por amigos que não foram mencionados no primeiro livro.
E ele soube mesmo colecionar momentos. Como as festas nababescas da W/Brasil. Momentos como a ida ao mundial de clubes da FIFA para ver o Corinthians dele ser campeão mundial, no Japão. Momentos como a homenagem recebida de Domenico de Masi na Itália. Muitos, muitos momentos. E, por tudo isso, talvez a W/Brasil seja a única grande agência do planeta e ter seu nome eternizado na letra de uma música bastante popular, cujo dono é um grande amigo de Washington. O nome do artista? Jorge Ben, já mencionado aqui. O nome da música? Adivinha! “W/Brasil” (aquela do: “Jacarezinho / Avião/ Cuidado com o disco voador…”).
A agência W/Brasil já não existe faz tempo. Fundiu-se ao gigantesco McCann Worldgroup e deu origem à WMcCann. Mas o livro e a música permanecem. Washington Olivetto também deixou de existir em carne e osso. Nasceu em São Paulo, onde viveu intensamente, e faleceu no Rio de Janeiro, cidade pela qual era apaixonado. Na verdade, pegou o disco voador da letra de Jorge Ben e voltou para seu planeta de origem. Ficam, para sempre, os êxitos dele mundo afora e as lições sobre como se deve criar e viver momentos. A propósito, a música “W/Brasil” também é conhecida como “Chama o Síndico”, porque Jorge Ben canta assim no final: “Eu vou chamar o síndico/ Tim Maia”. Na publicidade brasileira, qualquer profissional que se preze — e há vários — sabe que só uma marca vem à mente na hora de chamar o síndico: “Washington!”.
(*) Jornalista e publicitário. Professor na Univale e poeta sempre que possível | Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com
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