por Bob Villela (*)
O cinema é uma fonte mágica e inesgotável de descobertas, fantasias e histórias. Desde aquilo que aconteceu, passando pelo que pode acontecer e chegando ao que, supostamente, jamais ocorrerá, a maquininha de sonhos e movimentos não perde nenhuma oportunidade de surpreender em ações e câmeras que dão luz a pontos inexplorados da nossa imaginação. E na sala escura com cheirinho de pipoca do meu apreço pela arte, os curtas-metragens têm um lugar muito especial.
Assim como ocorre com os longas, tem curta-metragem de todo tipo, para qualquer gosto. Infelizmente, eles costumam ser menosprezados por parte do público. Talvez porque, de modo geral, tenham a vocação para temas não exatamente comerciais. Não é raro que os roteiros dos curtas sejam povoados de ironia, crítica e um tratamento menos convencional, menos pop. Tudo para sensibilizar ainda mais o espectador acerca do assunto. Ou simplesmente para experimentar. E isso é encantador.
Recentemente, em uma das primeiras aulas da disciplina Linguagem Cinematográfica nos cursos de Comunicação da Univale, exibi o curta Recife Frio para meus alunos. Mas antes de dar o play, perguntei à turma o que, na perspectiva deles, era cinema. Houve respostas como: “entretenimento”; “passatempo”; “diversão”; “reflexão”. Concordo com todas as devolutivas.
E Recife Frio tem tudo isso em pouco mais de 20 minutos de duração. Recife Frio é um filme do diretor Kleber Mendonça Filho, o mesmo dos fortíssimos O som ao redor, Aquarius e Bacurau — este último teve codireção de Juliano Dornelles. No curta, a capital de Pernambuco sofre uma mudança drástica de temperatura após a queda de um meteorito. Outrora ensolarada e colorida, a metrópole torna-se cinza, chuvosa, plúmbea e receosa. O tempo muda, os hábitos se alteram e o que somos como sociedade se destaca.
A distopia nordestina de Mendonça está disponível no YouTube e em qualquer lugar deste Brasil de longas metragens, paisagens e necessidades. A história é ácida, irônica e sagaz. Por meio do inusitado, do inconcebível, traça um panorama contundente acerca dos costumes da classe média, do crescimento desordenado das grandes cidades, da arquitetura das nossas moradias. Usando a prerrogativa da ficção para criar fotografias do absurdo, revela um país repleto de mentiras que conta, todos os dias, a si mesmo. Reforça o vigor fundamental do cinema pernambucano e nos dá aula sobre a gente. Evoé!
No livro Verdade Tropical, Caetano Veloso fala sobre momentos históricos do Brasil, passando por política, cultura e memórias da formação que o tornou o compositor que é. No livro Noites Tropicais, o jornalista Nelson Motta conta histórias muito afinadas da nossa riquíssima — e, portanto, impossível de se conhecer na plenitude em apenas uma vida — música brasileira. No livro Democracia Tropical, Fernando Gabeira reúne textos dele publicados em grandes jornais e aborda memórias da ditadura, da redemocratização, da queda de Dilma Rousseff e tudo que compôs aquele cenário em 2016. Já Kleber Mendonça brinca com uma grande mentira e “destropicaliza” Recife para exibir uma verdade voraz, como quem tira as cores da situação justamente para elevar o tom da conversa.
Tanto talento brasileiro insiste em que as coisas podem melhorar. As memórias de Caetano e de seus fãs, por sinal, acabam de ganhar páginas gloriosas de um tropicalismo que encantará o mundo. É que o Xande de Pilares, ex-Grupo Revelação e já um ícone do samba, acaba de nos presentear com o maravilhoso álbum Xande Canta Caetano. Com interpretações impecáveis de um repertório escolhido com maestria, o sambista esquenta as já cálidas canções do mestre baiano. Sai do seu ambiente confortável e torna ainda mais reconfortantes, clássicos como Gente, Lua de São Jorge, Luz do Sol e Muito Romântico. Entre trópicos e distopias latinas, entre escândalos, medos e riquezas, em que pese a frieza das cenas, a música e a poesia sempre salvam nossos dias.
(*) Jornalista e publicitário. Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
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