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Veja bem as coisas

FOTO: Freepik

por Bob Villela (*)

O que alimenta a criatividade? O McDonald’s é um gigante global do fast-food presente em mais de 100 países. É natural encontrar restaurantes da rede espalhados por toda a extensão dessas nações. Isso acontece no Brasil, onde a rede tem mais de mil restaurantes, segundo o site oficial deles. Faz muito tempo que a publicidade e os brinquedinhos do McDonald’s povoam nosso imaginário, desde a infância, com música, cores e boas vibrações. Enfim, business. E quando um negócio transborda a atividade-fim e vira cultura, o resultado é, ao mesmo tempo — e paradoxalmente —, sutil e estrondoso.

Quantas vezes, por exemplo, você já viu o McDonald’s em filmes e séries? Ora, se um filme ou uma série muitas vezes — longe de ser sempre — quer representar o mundo real e garantir que o espectador mergulhe na história, nada mais comum do que servir a ele os elementos deste mundo. “Mentiras sinceras me interessam”, já rasgava Cazuza e seu Barão Vermelho nos idos dos anos 1980. Interessam a muita gente. Portanto, lembrando um trecho do clássico comercial Hitler, da Folha de S. Paulo, se “é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”, nada melhor que usar os fatos como instrumento da fantasia.

Muitas vezes o McDonald’s foi cenário ou parte de um contexto por vias contratuais, com patrocínio ou, por exemplo, via product placement, quando uma marca insere seus produtos ou serviços em um projeto audiovisual, e paga por isso. Daí uma cena tem aquele casal abrindo uma conta no banco. Em um filme o protagonista usa aquele tênis. Ou em uma série o dono do escritório usa determinado modelo de notebook. Em outras ocasiões, a rede apareceu de forma espontânea. Uma dessas ocorrências tornou-se lendária e está na história do cinema. Trata-se do diálogo entre Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) no filme Pulp Fiction. Na obra-prima de Quentin Tarantino, os personagens estão no carro falando sobre costumes de outros países e um explica ao outro como alguns lanches do McDonald’s são chamados em Paris. Não dá para explicar. Corra para o YouTube.

Recomendo também que você veja o comercial que a lanchonete do Ronald lançou recentemente. Fazendo uma espécie de exercício metalinguístico, a agência Wieden+Kennedy de Nova Iorque exaltou, no vídeo, vários momentos em que a rede esteve presente em produtos de entretenimento. Seinfeld, The Office, Space Jam, Loki… O menu de atrações é variado e diz uma grande verdade a respeito da força da marca. A propósito, a Wieden+Kennedy foi fundada em Portland, no Oregon. Bem pertinho de Beaverton, onde nasceu a Nike. O slogan Just do it foi criado por Dan Wieden e a parceria entre agência e marca segue até os dias de hoje.

Revisitar episódios, aparições e citações é o que alimenta o preparo de ideias originais. O novo só pode ser produzido a partir do que já existe. É por isso que o diálogo entre gerações é tão fundamental para famílias, cidades, países e todo o mundo. É por isso que o preconceito entre gerações é uma praga a ser constantemente combatida. O cantor Jão, que é fã escancarado do Cazuza, acabou de lançar o álbum Super, muito bom e, como sempre, com letras bastante criativas. Na bela Eu Posso Ser Como Você tem um trecho assim: “Saiba, traições são bem mais sutis/ Veja bem, meu bem, eu só quis ser feliz”. Lindo, né? Acontece que em 2001 os rapazes do Los Hermanos lançavam o Bloco do Eu Sozinho – um primor! Na encantadora Veja Bem, Meu Bem eles mandaram essa: Veja bem além destes fatos vis/ Saiba, traições são bem mais sutis. Agora ficou tudo ainda mais lindo, né?

Fazendo uma espécie de exercício metalinguístico, Jão e tantos outros artistas do Brasil e do mundo promovem, em suas letras, diálogos do nível de Tarantino. Sobre o McDonald’s, valho-me de não ser nutricionista para me privar de emitir opinião sobre o cardápio da rede. Quanto à potência criativa brasileira, posso assegurar que anda com valores nutricionais excelentes e alvissareiros. Recentemente a imprensa andou dizendo que o Jão pode gravar músicas com letras inéditas do Cazuza. Sim, mentiras sinceras interessam a todos nós. Mas tomara que essa notícia seja tão verdadeira quanto a inigualável crocância de uma McFritas.


(*) Jornalista e publicitário. Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela
Medium: bob-villela.medium.com

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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