O dom de línguas descrito na Bíblia nada tem a ver com o inglês sofrível por um certo pregador mirim
Você já ouviu falar na palavra “GLOSSOLALIA”? Bem, na concepção deste vocábulo, entendemos que glossolalia é a prática de produzir sons ou falas que não são reconhecidas como línguas existentes, ou seja, é o tal do “falar em línguas”. Para alguns, este seria um dom do Espírito Santo (conforme descrito em Atos 2 e mencionado I Coríntios 12 e 14), para outros, um distúrbio psicológico ou espiritual. Mas o que podemos afirmar com certeza?
Bem, primeiramente vamos entender a origem desse dom. O Espírito Santo (terceira pessoa da Trindade) é descrito na Bíblia como um vento que sopra “onde quer, ouve-se a sua voz, mas não se sabe de onde vem, nem para onde vai” (João 3:8). Esse mesmo Espírito, segundo o relato bíblico, distribui os mais diversos dons àqueles que se colocam nas mãos de D’us para cumprir um propósito. É bonito, é sublime, é divino. Apenas pra mencionar alguns adjetivos. Mas o que acontece quando alguém mal intencionado ou com dissonância cognitiva se apropria de forma dissimulada de um desses dons para benefício próprio? Bem, ao que tudo indica, pudor parece não ser uma palavra que conste no dicionário de um certo pregador que ganhou as manchetes nos últimos semanas e que alega ter um dom que inexiste na sua essência. E afinal, o que é o dom de línguas?
Com todo o carinho que tenho por amigos e irmãos cristãos que acreditam nessa manifestação, preciso informar-lhes que o dom de línguas descrito nestes textos se define por línguas conhecidas. Falar línguas completamente sem sentido e atribuir a um êxtase espiritual é antibíblico. E não precisamos ir muito longe pra entender o contexto. A Igreja de Corinto estava confusa. Então, Paulo adverte os coríntios que eles haviam perdido o foco para o qual o dom foi concedido e estavam usando para exibição própria. Sim, porque no Pentecostes, a multidão foi capacitada a falar em outros idiomas, de sorte que cada um ouvia em sua língua materna.
Agora, pense na possibilidade de que uns e outros (escolhidos ou capacitados) possam, de fato, falar em idiomas estranhos. Confesso que seguro um pouco o riso quando vejo a cena de um fiel entrando em transe e começando a emitir sons que lembram uma mistura de sueco bêbado com latim falado de forma invertida. E mesmo que ninguém entenda nada, todo mundo entende tudo… ouvir alguém falando em “línguas estranhas” é algo como ver alguém digitar sua senha bancária com os olhos vendados e garantir que está falando em tupi guarani com sotaque de Nazaré!!! E um “dom” como esse ainda teria outra utilidade… você poderia interromper um discurso, sair gritando “Decantalabashaba Suriamalikonté” e ainda ser aplaudido por isso. Imagina isso numa reunião de trabalho… mas num culto seria bênção! Há quem afirme categoricamente que há interpretação e que essas línguas seriam celestes. Outros afirmam ser mistério.
De qualquer forma, não há mistério algum quando vemos alguém que sai por aí falando “Off The King, The Power demanded The Bastard” e faz trejeitos com o corpo como se estivesse numa competição das Olimpíadas do Faustão. Além de maltratar a língua inglesa, o tal pregador mirim apenas se promove e passa a tal vergonha alheia. Mas num país onde o ridículo é celebrado e o racional é desprezado, é como se fosse um troféu, daqueles bem “chinfrim” que estão à venda em qualquer loja de esportes. Pode ser tudo. Pode ser nada.
(*) EDSON CALIXTO JUNIOR é escritor, teólogo e jornalista. Trabalhou na Rádio CBN, Diário do Rio Doce e Rede Novo Tempo de Comunicação. Foi assessor de imprensa na Assembleia Legislativa do Paraná (2003 – 2010). Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, com MBA em Gestão, atualmente é servidor público federal.
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