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Rede de enfrentamento articula ações para combater crimes de violência doméstica contra mulher

FOTO: Freepik

GOVERNADOR VALADARES – Como seria se você vivesse todos os dias o mesmo dia? E se você vivesse todos os dias o mesmo dia em que foi agredida? Como seria se você vivesse todos os dias o mesmo dia em que foi agredida, machucada e afetada psicologicamente? Como seria se você vivesse todos os dias o mesmo dia em que a lucidez e a ingenuidade parecem sempre ser uma linha tênue?

Depois de ser vítima de violência doméstica, a mulher, na maioria das vezes, se vê no tempo, em um lugar que o tempo parece não passar. Se vê num espaço onde a realidade que se estabelece rompe com a estrutura de uma família. Neste tempo-espaço, não há onde a relatividade possa habitar. Nesta casa, não há onde o crime de violência doméstica possa se justificar. Sendo assim, como uma mulher pode sair desse paradoxo e compreender aquilo que nem ela mesmo entende o porquê?

Há cinco anos, a necessidade de se ter ações mais efetivas e assertivas foram os primeiros passos para a criação do Grupo de Articulação da Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica contra Mulher (GAR) em Governador Valadares. A proposta inicial era evitar a violência institucional e aperfeiçoar a rede de atendimento à vítima dando celeridade nas ações mais urgentes após o registro da denúncia de violência doméstica.

Rompendo com o ciclo

“O nosso objetivo principal é estabelecer um protocolo, um fluxo de atendimento, de forma que todas as instituições saibam quais são os próximos encaminhamentos a serem sugeridos e propostos às mulheres que sofrem violência, para que elas possam romper com o ciclo. A ideia é que os encaminhamentos sejam sempre os mesmos, de forma a evitar que ela vá para um órgão e ele fale: ‘não, não é aqui, é em uma outra instituição’. Aí ela vai em outra e esta fala ‘não, tem que ir em outro lugar primeiro’.

Dessa forma, a mulher fica nesse pingue-pongue, que acaba sendo (re) vitimizada. É isso que a gente chama de violência institucional, que por vezes é ainda mais grave do que aquela que ela sofre dentro de casa. Cada vez que ela vai em uma instituição e tem que contar o episódio de violência sofrido, ela revive aquela situação”, explica  Carla Regina Goulart, coordenadora do GAR.  

O grupo é composto majoritariamente por mulheres, que atuam no dia a dia no atendimento a vítimas de violência doméstica. É uma grande força-tarefa que mobiliza diferentes instituições do município para elaborar ações de prevenção, conscientização e enfrentamento a esse tipo de violência.

Abordagem interdisciplinar

“A rede é composta por vários órgãos municipais. Então a gente tem o Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Secretaria de Saúde, Secretaria de Assistência Social, Polícia Militar, Polícia Civil, Ordem dos Advogados (OAB), Conselho Municipal e o Ceapa (Centro de Acompanhamento de Alternativas Penais). Quando a gente fala em enfrentamento de violência doméstica a ideia é que se tenha uma abordagem interdisciplinar mais ampla, que atenda os homens e as mulheres que estão dentro desse escopo da violência doméstica”, detalha Juliana Goulart, coordenadora do Núcleo de Integração e Fortalecimento da Rede de Atenção à Mulher, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Governador Valadares.

Depois do dia que ainda não terminou

O Creas (Centro de Referência de Assistência Social), vinculado à Secretaria Municipal de Saúde e da Assistência Social, é quem faz o acolhimento dessas vítimas e acompanha caso a caso as necessidades dessas mulheres. Seja para elas se manterem com uma vida digna ou também para romper com esse paradoxo da violência doméstica. Normalmente há duas formas dessas mulheres chegarem até o Creas: por meio da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher ou através do Juizado da Vara da Violência Doméstica. Em Governador Valadares, profissionais do Creas acompanham centenas de mulheres. Em média, esse acompanhamento dura 6 meses.

“A gente acolhe essas mulheres por meio de uma escuta ativa e especializada. A partir disso, é feito uma construção com uma equipe psicossocial do núcleo da mulher para uma metodologia de atendimento que melhor se adeque às peculiaridades dessa mulher atendida. Quando a mulher recebe a medida protetiva também vem junto o encaminhamento para o Creas. Mas, infelizmente, algumas dessas mulheres não procuram o Centro. A gente pega o telefone delas, tentamos entrar em contato com elas. E, muitas vezes, por questões de dificuldades econômicas ou medo de sair de casa, elas não vêm ao Creas para receber o atendimento adequado. Quando isso acontece, nós vamos até ela, na casa dela, e fazemos esse atendimento”, destaca Julia Barbosa de Carvalho, assistente social do Creas.

Paradoxo da violência

No entanto apesar da violência contra a mulher ser um fenômeno social que atinge todas as classes e condições econômicas, o perfil das vítimas atendidas pelo Creas revela um ponto fundamental para tornar mais efetivo o combate à violência doméstica. A maioria das vítimas são mulheres entre 24 e 35 anos, com o grau de escolaridade baixo. Portanto nesse contexto, a primeira denúncia, o momento que se cria coragem para expor a situação, acontece quando a vítima tem por volta de 30 anos e já conviveu por muito tempo sendo violentada.  

Após o primeiro contato dos profissionais do Creas com a vítima é feita uma análise sobre o risco que aquela mulher corre. Sendo assim, elas são acompanhadas a fim de atualizar em que situação elas se encontram. Nas visitas ou por meio das ligações, as assistentes sociais procuram saber se o agressor está descumprindo a medida protetiva, como está a saúde mental dessa mulher; se ela necessita de auxílio financeiro. Ou até mesmo se ela tem acesso a algum programa social, sendo até encaminhada para o Banco de Emprego. O objetivo é que a mulher consiga construir a emancipação emocional, estrutural e financeira.

“A maioria das mulheres vítimas de violência doméstica possuem uma baixa escolaridade. Esse é um fator que faz com que elas desanimem a denunciar a violência pela dependência econômica em relação aos seus parceiros. Por esse fato, pela baixa escolaridade, elas demoram a denunciar ou não denunciam. A incidência maior das denúncias é a partir dos 30, porque a partir dessa idade a mulher já é mais madura e se sente mais forte até conseguir denunciar os fatos”, explica Julia Barbosa de Carvalho.

Patrulha de prevenção

Em paralelo ao acompanhamento do Creas, também há a atuação da Polícia Militar, por meio da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica. Dessa forma, a partir de um protocolo estabelecido pela própria polícia, agressor e vítima são visitados regularmente a fim de compreender a real situação que aquela mulher se encontra.

“O objetivo é de fato romper com o ciclo e o que tem levado a essa situação de violência. Então após o registro da ocorrência é feita uma seleção dos casos mais graves e nós vamos até essa vítima para saber se ela permanece em situação de violência, se ela está precisando de algum apoio. Nesse contato a gente tenta mostrar para essa mulher que ela está inserida em um ciclo de violência. Fazer com que ela enxergue que situações, que muita das vezes, a pessoa acha que é normal entre casal, são um tipo de violência doméstica. A gente tenta conscientizar e mostrar a importância dela romper com esse ciclo, porque estudos mostram que quando esses ciclos de violência não são quebrados, a tendência é que fique cada vez mais frequente e a violência cada vez mais grave, podendo chegar até a um feminicídio”.

Quebrar com o ciclo de violência é algo complexo. Em cada vítima habita uma realidade, onde a subjetividade torna ainda mais difícil assimilar que determinados comportamentos não são amor, não são falta de paciência, e não têm justificativas. Para distorcer o tempo e tornar o dia que ainda não terminou apenas uma lembrança de um passado distante é preciso de muita coragem e determinação. A repetição dos dias agora ganha significado de libertação e superação.

Atenção! Se você sofre ou conhece alguém que vive em uma situação de violência doméstica, denuncie. O telefone é 180. Um número seguro que mantém o seu anonimato.

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