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Quem mora em condomínio não pode fazer o que quer

por Cleuzany Lott

A briga de moradores com influenciadora digital e dançarina traz à tona o abuso do direito de quem mora em condomínio.

Um vídeo mostrando duas condôminas agredindo fisicamente uma moradora em um condomínio de luxo em Arujá, na grande São Paulo, foi parar nas redes sociais e na imprensa, expondo um problema cada vez mais comum: ignorar as regras de convivência e, sobretudo, utilizar o imóvel para fins diversos daquele a que se destina.

Segundo apurações preliminares, o motivo da briga não foi o fato de a moradora usar roupas curtas e fazer vídeos sensuais para a internet, conforme alegou Ayla Souza, de 22 anos, e divulgar para os mais de dois milhões de seguidores.

Na versão apresentada pela administração do edilício, o que desencadeou a reação dos condôminos foi o desrespeito, aglomerações, perturbação dos moradores e, principalmente, a sublocação do imóvel feita por Ayla a outros nove influenciadores digitais. A paraibana pagava R$ 10 mil pela locação da mansão. Para diminuir as despesas, ela cobrava R$ 1 mil de aluguel dos colegas que também usavam o imóvel para produzir conteúdos variados para a internet.

A administração do local apresentou a convenção para provar que aquele condomínio tem caráter exclusivamente residencial e familiar, não admitindo o uso da propriedade para outras finalidades. Ayla estaria abusando do poder da propriedade ao transformar a casa em um hotel para novos influenciadores e desrespeitando as regras de convivência ao promover festas com frequência, manter o som alto durante o dia e à noite e aglomerações, perturbando o sossego do local.

O amparo legal para a argumentação dos moradores está no artigo 10 da Lei 4.591/64, que estabelece a proibição a qualquer condomínio de “destinar a unidade à utilização diversa de finalidade do prédio” ou usá-la “de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos”.

Mas atitudes como essas se repetem na vida de quem mora em condomínio, independentemente da condição socioeconômica; afinal, quando se trata de pessoas, nem sempre as facilidades que o dinheiro oferece, como acesso à informação, formam um bom cidadão. Basta reparar na conduta dos vizinhos. Alguns ignoram o direito do outro, de forma inconsciente ou por falta de desconfiômetro mesmo.

Para garantir a convivência pacífica, todo condomínio possui uma convenção, entregue pela construtora, determinando normas de administração e regras para a realização da Assembleia Geral, e o regimento interno elaborado pelos condôminos, regulamentando as relações de convivência. A finalidade dos documentos é distinta, mas um complementa o outro e ambos devem ser cumpridos, tanto pelos inquilinos quanto pelos proprietários das unidades e por qualquer pessoa que estiver no ambiente.

A convenção faz parte do nascimento do condomínio. A minuta do documento é registrada no Cartório de Registro de Imóveis pela incorporação imobiliária, posteriormente é validada na primeira Assembleia, que constitui o condomínio. No documento público está descrita a finalidade a que as unidades se destinam, conforme artigo 32, alínea “j”, da Lei 4.591/64 – Lei de Condomínios e Incorporações.

Portanto, é na constituição que se institui se o condomínio vai ser residencial, comercial, industrial ou misto. Como o próprio nome indica, os residenciais são exclusivos para moradia, os comerciais ou industriais exclusivos para o comércio e indústria, respectivamente, e o misto abarca o residencial e o comercial, sendo aqueles em que normalmente as lojas ficam no térreo e os apartamentos nos andares superiores. Vale ressaltar que essa destinação pode ser mudada, conforme prevê o artigo 43, da Lei 4.591/64 e artigo 1.351, do Código Civil.

O dever de cumprir e fazer cumprir a Convenção, o Regimento Interno e as determinações da assembleia são aferidos ao síndico nos termos do artigo 1.348, Inciso IV, do Código Civil, mas cabe ao morador reivindicar o direito que lhe é garantido. O problema é que muitos preferem a “política da boa vizinhança” ou ser o “bonzinho” que não incomoda ninguém para não ser incomodado”, deixando o síndico sozinho em uma responsabilidade que é de todos. O resultado dessa omissão pode virar caso de polícia, como aconteceu no condomínio de luxo.

(*) Cleuzany Lott é jornalista, publicitária, sindica, diretora de Comunicação da Associação de Síndicos de Governador Valadares e pós-graduanda em Direito Imobiliário e Condominial.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de
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