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Por que é tão difícil mudar?

por Dr. Lucas Nápoli (*)

Você já reparou na enorme quantidade de livros de autoajuda que são publicados todos os anos? Já observou também que essas obras geralmente figuram na lista dos mais vendidos? Pois é! Era de se esperar que tamanha profusão de material, que supostamente ensina as pessoas a viverem melhor, levasse a um aumento nos índices de saúde mental no mundo, certo? #SóQueNão. O crescimento do mercado de autoajuda é correlato da elevação do número de casos de adoecimento emocional, em todo o planeta. Há cada vez mais pessoas que procuram serviços de saúde mental, queixando-se de problemas de ordem psicológica, como a depressão e os transtornos de ansiedade.

Neste momento, você deve estar se perguntando: “Mas, espere aí: você está sugerindo que os livros de autoajuda contribuem, para o aumento dos índices de adoecimento psicológico?”. Não, caro leitor. Ao contrário de muitos dos meus colegas, eu vejo valor nas publicações de autoajuda. Acho até que elas são um recurso valioso, quando o sujeito não tem acesso a nenhum tipo formal de cuidado, em saúde mental. No entanto, penso que os autores de autoajuda, de modo geral, ignoram um elemento básico da psicologia humana, que faz toda a diferença, quando se trata de pensar o adoecimento emocional.

Nós, psicanalistas, chamamos esse elemento de “gozo”. Não, não se trata do orgasmo. Gozo, que na língua portuguesa é sinônimo de prazer, satisfação, fruição etc., foi o termo que um psicanalista francês, chamado Jacques Lacan (1901-1981), utilizou para se referir um tipo de experiência de prazer, satisfação e fruição, que nós experimentamos inconscientemente.

“Vixe, Lucas, agora você me confundiu! Como é que a gente pode saber que está experimentando gozo, se o negócio é inconsciente?”, é o que você deve estar pensando agora. Ora, é muito simples: quando, por exemplo, encaramos uma atividade como prazerosa, a tendência é que desejemos repeti-la, certo? A repetição é um indicador muito preciso de que algo nos satisfaz.

Portanto, estamos na dimensão do gozo, quando constatamos as coisas que fazemos de forma reiterada, repetitiva, automática, ainda que nos causem sofrimento. Apesar de conscientemente não nos proporcionarem prazer, inconscientemente elas nos satisfazem. Pense, por exemplo, naquele jovem estudante que não consegue deixar de se preocupar com as provas, que só acontecerão dali a 2 meses. Conscientemente, ele quer deixar de se preocupar; ele não se sente bem ficando assim, o tempo todo tenso e ansioso. Contudo, não consegue abandonar as preocupações. Inconscientemente, ele obtém satisfação, acumulando aquele monte de pensamentos na cabeça. Talvez tenha sido uma criança, que tinha um prazer especial em reter coisas: cocô, xixi, brinquedos e, agora, jovem adulto, sem perceber, acabou levando a tendência à retenção, para o domínio dos pensamentos. Acontece… Vocês não imaginam a miríade de coisas que descobrimos sobre as pessoas, quando elas resolvem falar tudo o que lhes vem à cabeça – como expliquei na coluna anterior.

Em alguns casos, o gozo pode estar associado mais à experiência do medo, do que a do prazer. Nessas situações, o sujeito goza, inconscientemente, da experiência de alívio e proteção, que certos aspectos de sua vida proporcionam. Por exemplo: uma pessoa deprimida pode se queixar, de não ter forças, para tomar banho. Apesar de se sentir sujo e fétido, o indivíduo, de fato, não consegue se levantar da cama, para banhar-se. Conscientemente, ele quer sair dessa situação, mas, simplesmente, não consegue. Pode ser que o ato de tomar banho esteja associado em sua história de vida, a sair de casa e se ver exposto às demandas e exigências da realidade – coisas que atualmente o apavoram. Assim, manter-se sujo, por pior que seja, e ele próprio o saiba, protege essa pessoa de ter que lidar com um mal, que ela considera maior. Inconscientemente, o sujeito goza com o alívio e a proteção que a inércia lhe proporciona.

Toda essa complexidade afetiva, que subjaz ao conceito de gozo, é completamente ignorada pela imensa maioria dos autores da autoajuda. Para eles, a mudança psicológica é uma questão apenas de estratégias, passos, ferramentas etc. Tamanha ingenuidade, às vezes, soa até ridícula. Dizer, por exemplo, que uma pessoa que reiteradamente escolhe parceiros amorosos violentos, que ela precisa mudar o seu mindset , é o mesmo que esperar que um veículo sem gasolina, saia de Belo Horizonte e vá até São Paulo. Essa, aliás, é uma boa analogia, para descrever o que fazem os livros de autoajuda: eles fornecem a você o destino e o roteiro (às vezes traçado de forma até qualificada), mas ignoram o estado do seu carro (se está ou não com combustível, se precisa de revisão ou reparos etc.).

A grande maioria das mudanças que desejamos fazer em nossas atitudes e comportamentos não acontece com uma mera mudança de mentalidade consciente. As satisfações inconscientes que obtemos com nossos sofrimentos precisam ser exploradas a fim de que se possa compreender por que razões continuamos a fazer repetidamente o que nos prejudica.

(*) Psicólogo/Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogo clínico em consultório particular,  Psicólogo da UFJF-GV, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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