Naquele desenho torto havia um ferro de passar roupas, dialogando com um punhado de uva-passa. O ferro aponta para uma trouxa de roupas e diz: trouxas! Tudo passa. E as uvas-passas se entreolham e também dizem: passa. Tudo aqui… passa.
Não sei ao certo quem fez tão acertada afirmativa – a de que tudo passa – pois já passou. Então me recordo de grandes personalidades, dentre os mais de 100 bilhões de habitantes (humanos) cuja estimativa demográfica garante que já passaram por este planeta. E me preocupo em não saber, sequer, o nome de meu tataravô, quanto mais o nome daquele (ou daquela) que, possivelmente revolucionou nossa existência terrena ao descobrir o uso e manipulação do fogo. É lamentável que não a tenha registrado em ata, para a posteridade.
É admitido nos ramos da ciência que os neandertais surgiram há 500 mil anos e os sapiens, há uns 200 mil anos. Já os dinossauros teriam sido extintos há aproximadamente 67 milhões de anos. Sequer posso imaginar os partos, óbitos, gemidos e beijos furtivos que a dama luna possa ter testemunhado dos altos céus.
Já nós, vivemos por aqui, uns 70 ou 80 anos mirrados, por vezes repletos de picuinhas, vacilos, enxaquecas e automatismos, raramente um ou outro feito digno de nota no rodapé da história. Toda essa consciente insignificância histórica pode nos levar a um profundo desalento. Afinal, quem será Alberto Santos Dumont, Joaquim José da Silva Xavier, Maria Quitéria ou Edson Arantes do Nascimento, daqui a uns poucos séculos, em um planeta de 4,5 bilhões de anos?
Daí viramos o jogo astral e botamos as ideias para cima. Uma lição extraída de toda essa elucubração existencial é que vida é movimento, sempre. O que vive, pulsa, evolui. E o pulso ainda pulsa, cantam os Titãs.
Os princípios evolutivos garantem que estamos em plena e contínua evolução, ainda que invisível aos olhos de quem vive uns poucos 70 anos. É que a genética, a cultura, a sociedade, os valores e razões andam nos passos da história milenar, ainda. Seria raso avaliar de pronto se a evolução se dá para bem ou para mal (ou como uma valsa), certo é que estamos em perene mutação, nós e nosso meio, seja por forças da própria natureza, e mais, por força das mãos e ideias humanas.
Logo, se tudo está em contínuo movimento e passando, cabe destacar que o segredo está na passagem. Passagem que não é feita solitariamente. Somos seres sociais. A natureza muda a passos lentos, sobre toda uma espécie ou habitat. Já as transformações que levaram os humanos ao topo da cadeia alimentar se deram – e se dão – de maneira um pouco mais acelerada, afinal, é preciso criar vacinas para postergarem nossa existência em vez de esperar a natureza decidir seletivamente se quem permanece é o vírus ou o humano, ambos ou nenhum deles.
Então retomamos a tese do movimento, agora, cooperado. Nenhuma revolução, grande descoberta ou avanço significativo se deu apenas contando com indivíduos isolados em suas respectivas cavernas.
Portugueses não teriam ocupado o vasto Brasil se não se juntassem em caravanas marítimas para atravessar o mar revolto e fazer história. O homem não teria pisado na lua apenas assistindo em casa a fantástica série Jornada nas Estrelas. A Revolução Francesa (marco do Estado Moderno) possivelmente não aconteceria se estratos significativos não se juntassem nas ruas para a tomada da Bastilha. Tampouco é de se esperar que Adolf Hitler receberia a visita de uma fada iluminada, que lhe entregaria um bilhete banhado em purpurina, e que o convencesse a cessar as atrocidades nazistas pelo mundo, apenas aplicando sua consciência. Foi preciso que os Aliados colocassem milhares de vidas no front e na retaguarda (terra, água, ar e ideias) para fazer história, ainda que sangrenta e repleta de abusos.
Se avançamos? Estou convencido que sim. Graças, sobretudo aos mitos criados desde os primórdios, que fazem, em parte, com que indivíduos deixem seus interesses particulares para se dedicarem coletivamente a uma grande obra, construção, erguer uma estrutura ou sociedade.
Ainda que a marcha seja perene e longa, já não temos por costume empalar desafetos e a miséria alheia nos atinge e incomoda. Já não vivemos apenas 40 anos, o que era a expectativa de vida no Brasil em 1940.
Que nossa passagem seja honrosa, justa e leve. Ainda que transitória, seja movimento de evolução, para o bem das espécies. É memorável a máxima antes fixada na parede branca de um respeitável tabelionato da cidade, cuja autoria desconheço: da graça da paternidade, o importante é saber que, de onde tira o pé o pai, pode por o pé o filho. Essa é a passagem vital, capaz de romper o tempo.
Marcos Santiago
santiagoseven@bol.com.br
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