Um ensaio para o fim da polarização ou só mais um capítulo?
A polarização, ao que parece, ensaiou seu primeiro tropeço. No domingo (21), adversários históricos marcharam lado a lado contra a chamada PEC da blindagem — uma das propostas mais vergonhosas já gestadas pelo Congresso (aliás, a pior legislatura de todos os tempos). A cena foi histórica: esquerda e direita moderada unidas, não por afinidade, mas pelo nojo comum à impunidade.
Nossa Câmara dos Deputados, que já teve nomes como Ulysses Guimarães, Dante de Oliveira, Miguel Arraes, Mário Covas e Eduardo Suplicy, hoje rasteja refém de uma perigosa tríade: boi, bala e Bíblia. São justamente esses setores os arquitetos da tentativa de blindagem, que pretendia impedir qualquer julgamento dos parlamentares pelo STF, transferindo a exclusividade do julgamento para… eles mesmos.
É emblemático — e ironicamente revelador — ver representantes de três segmentos conservadores defendendo a impunidade. Ruralistas brigando por seus privilégios? Ok, previsível. Militares defendendo os interesses das corporações? Nenhuma surpresa. Mas religiosos legislando em causa própria? (Esse é um tema que voltarei a tratar futuramente: a desnecessária presença de líderes religiosos no parlamento, cuja vocação deveria ser outra.) Afinal, convenhamos: a biografia do Cristo jamais o colocaria em uma Casa de Leis, pois seu governo não é deste mundo.
E se alguém ainda acha plausível a tal PEC, vale lembrar de um episódio não tão distante. A Constituição de 1988 previa que o STF só poderia processar parlamentares com autorização do Congresso. Uma aberração que durou até 2001, quando foi extinta pela emenda constitucional 35. Foram 13 anos de impunidade institucionalizada: mais de 300 pedidos engavetados, envolvendo corrupção, tráfico e até homicídio. Nenhum acatado.
O caso que escancarou o absurdo tem nome e sobrenome: Hildebrando Pascoal, o “deputado da motosserra”. Acusado de chefiar um esquadrão da morte, foi condenado a mais de 100 anos de prisão por homicídio, narcotráfico e formação de quadrilha. Seu crime mais notório foi o assassinato brutal do mecânico Agílson Firmino, esquartejado com uma motosserra, junto do filho de 13 anos e de duas testemunhas. A comoção foi tamanha que a própria Câmara cassou seu mandato, permitindo enfim o julgamento e a condenação.
Agora, em 2025, parecia que a história queria se repetir. Mas, felizmente, não foi o que aconteceu. A pressão popular foi tão ensurdecedora que o Senado, através da CCJ, enterrou a PEC na quarta-feira (24), por unanimidade — menos de 72 horas após a indignação que tomou as ruas.
Talvez este seja o prenúncio de algo maior: a constatação de que nem todo retrocesso será tolerado. Quem sabe, no fim das contas, estejamos testemunhando um raro ensaio de união nacional — não pelo amor, mas pelo cansaço diante do absurdo. Se for utopia sonhar com um Brasil capaz de dizer “basta” em uníssono, que seja. Utopias ao menos inspiram; já as PECs da blindagem, essas só envergonham.
(*) EDSON CALIXTO JUNIOR é escritor, teólogo e jornalista. Trabalhou na Rádio CBN, Diário do Rio Doce e Rede Novo Tempo de Comunicação. Foi assessor de imprensa na Assembleia Legislativa do Paraná (2003 – 2010). Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, com MBA em Gestão, atualmente é servidor público federal.
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