Bob Villela (*)
Trabalho é coisa séria. E tem que ser assim. Se não fosse, a gente chamaria de churrasco. Na música Como Vovó Já Dizia (aquela do “Quem não tem colírio usa óculos escuros…”), Raul Seixas afirma que “a formiga só trabalha porque não sabe cantar”. Ou seja, trabalhar seria algo para quem não tem outra saída. A obrigação e a necessidade de trampar são meio que um daqueles “inimigos” que a sociedade criou, tipo o casamento, a sogra, os dias nublados e chuvosos (que a previsão do tempo costumava chamar de “tempo ruim”). É impressionante como uma onda, já não tão recente assim, de escritórios coloridos vendeu ao mundo — sobretudo aos jovens — que trabalhar poderia ser uma coisa divertida. Não, não é. Mas não deve ser algo triste, enfadonho e lamentável. Se o seu estiver assim, procure mudar de atitude ou de emprego.
Amo meu trabalho. Lutei para desembarcar com bagagem razoável à estação de professor. No percurso que fiz para chegar até aqui, jamais deixei de me engajar, de me encantar e de sorrir. Mas nunca perdi de vista que aquilo era trabalho. Compromisso, disciplina, negociações, prazos, viver, enfim. Trabalhar, algo equivocadamente visto como um fardo por muita gente, deve ter na essência a perspectiva do aprendizado, da satisfação, do treino. Explico. O nosso trabalho atual está sempre a nos preparar para o que virá na sequência, na proporção do esforço concomitante àquela atuação. Portanto se depois do meu compromisso laboral eu estudo, eu leio, eu faço um serviço voluntário, eu mantenho quentes meus contatos e aqueço minhas sinapses, consequentemente, terei mais chances de prosperar. Da mesma forma, se eu entrego mais na minha função, incremento as possibilidades de ser lembrado para assumir novos desafios e fico mais forte para lidar com outras dificuldades que se apresentam em diferentes esferas da existência.
Isso não é autoajuda e nem papinho de coach. É apenas matemática. Quem acumula mais experiência e vive, de fato, o aprendizado que aquilo pressupõe, tende a ficar mais forte para se virar em tantos quantos forem os cenários — família, escola, relacionamentos, mais trabalho… Claro que essa matemática precisa respeitar a estatística, a complexidade de um mundo repleto de iniquidades e as subjetividades. De todo modo, ter o trabalho como a sorte de um crescimento é algo que precisa ser mais difundido. Sem confetes, como tantos fazem. Mas com muito conteúdo e clareza. Afinal, se é coisa séria, que falemos disso com seriedade. Por sinal, a área da publicidade se apresentou por muito tempo como uma opção para trabalhar se divertindo. Agora, alguns profissionais e donos de empresas no segmento estão trabalhando muito para mostrar que essa campanha continha excessos.
Corta pra mim.
Por causa de um compromisso com o trabalho que amo, revi alguns episódios da série Ruptura, disponível na Apple TV+. A premissa que desencadeia a trama parte de uma realidade na qual os colaboradores de uma organização passam por um procedimento — a tal ruptura — que faz com que, enquanto trabalham, não saibam como são e o que fazem quando estão do lado de fora da empresa; do mesmo modo, quando eles estão fora do escritório não têm a menor ideia do que executam durante o expediente. O resultado é desastroso.
Em Ruptura, a claustrofobia e a obsessão impressas pelo diretor Ben Stiller — ele mesmo, da clássica franquia Uma Noite no Museu —, com uma trilha sonora que sugere monotonia e ansiedade, denotam que caminhos que desejam dissociar o trampo do restante da vida não costumam ser bem-sucedidos. Afinal, ninguém desliga neurotransmissores para atuar durante um tempo e se recompõe minutos depois de registrar o ponto. É que por mais que sejamos atores, nossos personagens sempre guardam algo de outros papéis. E isso me parece bastante saudável. Finalizo deixando dois conselhos. O primeiro é: trabalhe com inteligência e envolvimento. O segundo: assista a Ruptura. É muito bom. E deve ter dado um trabalhão para fazer.
Bob Villela
Jornalista e publicitário.
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela
Medium: bob-villela.medium.com
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