— Faz a mala, arruma as suas coisas. Vamos viajar!
— É o quê, Marlene? Assim, do nada? Para onde?
— Vamos sair sem destino certo, pelo mundo. Primeiro o litoral. Quero conhecer Porto Seguro, sua irmã diz que é lindo. Depois até Ushuaia.
— Você lá sabe onde fica Ushuaia, Marlene? Hoje é quarta-feira, amanhã você trabalha. Suas férias não estavam marcadas para o fim do ano?
— Eu vi no Globo Repórter, Ushuaia tem neve. Tem pinguins, a coisa mais linda! Mas, se você preferir, a gente vai para outro lugar, agora faz sua mala, Celso. Põe short e casaco, tudo. Cataratas do Iguaçu, Machu Picchu, quer qual?
— Pirou de vez. O que aconteceu? Brigou com a Dona Sônia de novo? Eu sei que ela é difícil, mas ela é sua chefa, você tem que…
— Não aconteceu nada! Eu só decidi que eu quero viver a vida, me desconectar. Cansei de ficar trancafiada dentro de um escritório de contabilidade alimentando planilha. Já deu, tô fazendo isso há décadas! Quero ver pôr-do-sol, estrelas, sentir o vento na cara. Nunca mais ter que atender celular.
— Ganhou na Mega Sena e não me contou, foi? De onde a gente vai tirar dinheiro para isso, meu amor? Por acaso, você já conversou com a Dona Sônia sobre essa nova versão da Marlene aventureira depois de velha?
— Não, e nem vou, nem com ela nem com ninguém. Ela vai entender quando eu não aparecer mais. E eu não sou velha, pelo menos no espírito. Decidi hoje, voltando para casa do trabalho. Vamos aproveitar que você tá aposentado e viajar, sem data para voltar. Conhecer praias, gente nova. Experimentar pratos que a gente nunca viu, querido. Partimos amanhã bem cedinho!
— Marlene, você é cheia de alergias à comida, intolerante a lactose, a frutos do mar. E vamos como, no Gol? No mínimo, precisaria mandar ele para a revisão.
— Já pensei nisso também, Celso! Vamos sair e comprar uma Kombi, não é o máximo? Super combina com o nosso novo estilo.
— Agora pronto! Você deve estar achando que é fácil e baratinho achar uma Kombi em bom estado para vender. E as crianças, Marlene? Você tá esquecendo que você é mãe?
— A Luciana tá muito bem empregada na clínica e já é casada, super feliz, não depende mais da gente para nada. O Celsinho fica aqui, cuidando da casa até terminar a faculdade e depois arruma um emprego. Nessa área dele de computadores é o que não falta. Ele não disse que deve ser efetivado no estágio? Ou então vai nos encontrar depois, a gente manda cartão postal dizendo onde tá, vou adorar escrever. Para a Lu também, ela pode ir nas férias. O Tobby a gente leva, ele ama passear de carro!
— Cartão postal? Tá vivendo em que ano, mulher? Meu Deus, ficou maluca mesmo. Marlene, meu bem, toma um banho, janta e amanhã a gente conversa sobre isso com calma, pode ser? Eu prometo que eu vou pensar com carinho. Se a gente for à praia na Semana Santa, para a casa do seu primo, te atende?
Na manhã seguinte, Celso acordou e não viu a esposa na cama. O carro ainda estava na garagem, mas não achou o cachorro no quintal. Ligou, a Marlene não atendeu. Conversou com os filhos, decidiram tentar manter a calma e esperar um pouco mais para ver se ela aparecia ou dava notícias.
Uma semana depois, o carteiro passou com uma correspondência. Vinha da Bahia.
(*) Mineiro, jornalista e mochileiro. Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir.
Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.
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