Wanderson R. Monteiro (*)
O cantor Zé Ramalho, junto com Oswaldo Montenegro, tem uma conhecida música chamada “Do Muito e do Pouco”, cujo refrão traz a seguinte frase: “se em terra de cego quem tem um olho é rei, imagine quem tem os dois…”. Naturalmente, somos induzidos a pensar que aquele que tem dois olhos assumiria uma posição de autoridade acima do rei, que tem um olho só, mas, se olharmos as coisas levando em conta a natureza do ser humano, chegaremos à conclusão de que não é bem assim. Dessa forma, não hesito em dizer que, na grande maioria das vezes, nas relações sociais e nas integrações de grupos, onde a maioria das pessoas são, metaforicamente, cegas, ou seja, tem a sua visão limitada, e que são guiados e instruídos por um rei de um olho só, aquele que tem os dois olhos em perfeito estado se torna, automaticamente, o inimigo número 1 da coroa.
Numa realidade em que todos querem ser melhores do que os outros, usando de incontáveis ardis para se assenhorear uns dos outros, enxergar bem com os dois olhos, tendo assim uma visão mais ampla e completa das coisas, constitui uma grande ameaça para o controle de um rei que tem, assim como seus súditos, uma visão limitada.
Quem é rei, não quer perder sua majestade, não quer perder sua posição, nem a fama que conseguiu, mesmo que tal fama venha da falta de conhecimento e da limitação de seu povo. Assim, aquele que tem dois olhos, que tem uma visão mais ampla, um conhecimento mais vasto do que o rei, passa a ser visto pelo mesmo como a principal ameaça contra sua posição. Como de praxe, humildade não é uma coisa comum aos que detém o poder e elevada posição, de maneira que, para defender o lugar que ocupa, o rei usará de todas as artimanhas possíveis para manter seu controle sobre o povo e afastar a ameaça.
O rei de um olho só, por ter dirigido o povo por vários anos, desfruta de prestígio e confiança de seus súditos. Por ser o único que enxerga, ele é o primeiro, e único, a ver claramente que o novato tem uma visão melhor que a dele, então, utilizando-se do prestígio e da confiança que o povo deposita em si, ele começa a desmoralizar o novato diante de seus súditos, que têm a realidade encoberta por suas limitações, sendo levados a acreditar naquilo em que seu rei diz.
Assim, maquiando a realidade, aproveitando de seu prestígio e confiança, e da falta de visão de seus súditos, o rei eterniza seu reinado, demonizando aquele que tem dois olhos, fazendo de tudo o possível para afastá-lo do convívio com seu povo, movido pelo medo de que os mesmos percebam aquilo que ele mesmo sabe: que o novato tem muito mais condições e capacidades para guiar o povo do que ele. Desse modo, o mesmo cria fábulas e histórias, monta esquemas e planos para continuar nas rédeas da situação, para continuar em sua posição de destaque.
Em todas as situações e grupos, onde houver um líder inseguro, que explora a limitação de seus liderados para se perpetuar em sua posição, uma pessoa que enxerga mais longe sempre será vista como uma ameaça a sua posição. Assim sendo, na maioria dos casos, se em terra de cego quem tem um olho é rei, aquele que tem dois será, automaticamente, o inimigo número um da coroa.
Wanderson R. Monteiro
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia. Acadêmico Correspondente da FEBACLA.
Acadêmico Fundador da AHBLA. Acadêmico Imortal da AINTE.
Vencedor de quatro prêmios literários. Coautor de 13 livros e quatro revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)
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