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O flertador

FOTO: Freepik

Era início da manhã e, ainda ao travesseiro, ele compôs a primeira mensagem do dia. “Sonhei com você. Deve ser a saudade.”, mentia.

Teclararia mil vezes conteúdos semelhantes durante a tarde e a noite. Estava viciado em flertar. Após o divórcio, ainda novo, redescobriu o universo da paquera, agora turbinado pelas redes sociais. Queria conquistar, buscava sentir a admiração que nunca havia experimentado na juventude.

Raramente saía com alguém. Chegou até a marcar de assistir a uma comédia romântica com uma moça, fez um passeio pelo parque municipal ao pôr-do-sol ao lado de outra, tomou vinho em um restaurante bacana com uma terceira, mas nada disso ganhou sequência. Os romances morriam por ali, como que de causas naturais. Affairs que nunca existiriam. Longe de querer mal a ninguém, só gostava mesmo era daquela fase pré-date, era nela que voavam alto as borboletas do seu estômago.

Enquanto tomava seu café preto, distribuía com fartura olhos de coração a postagens de sorrisos, de pets, de avós. Incendiava com reações de foguinhos as fotos de praias, de baladas, de treinos, em um festival pirotécnico virtual. Esforçava-se para render algum assunto. Emulava infinitos interesses sinceros, que já se sublimariam.

Ao vestir a camisa social, conferiu duas vezes o aplicativo de paquera, ali sim um universo de possibilidades. Puxou papo com a vizinha no elevador, algo para além do clima da cidade. Na rua, buscava olhares que cruzassem com o seu. Na empresa, um bombom de nozes acompanhou o bom dia à colega do outro setor. Ele não descansava, tornara-se um flertador compulsivo.

Flertou na fila do self-service, na reunião com fornecedores. No happy hour com rodada dupla de chope; ligou o radar no alcance máximo. Parece que flertou com a atendente virtual do banco. Saldo zero, como de costume.

Valorizava era a sensação de aproximação do novo, da subida dos degraus da conquista. Talvez seus sentimentos se desenvolvessem no universo das ideias. Quem sabe valorizava mais a mente do que o físico, mais a atenção e menos a carne.

Ou talvez fosse só mais um idiota, entre tantos por aí. Provavelmente um idiota.


(*) Mineiro, jornalista e mochileiro. Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir.

Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.

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