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Jovens, adultos e Dionísios maduros

FOTO: Divulgação

Este 2024 tem sido um deleite para quem gosta de música. Shakira, depois de ter passado por alguns dissabores, lança o contundente e gostoso de escutar “Las Mujeres Ya No Lloran”. Dua Lipa segue seu passeio muitíssimo bem-sucedido pelo pop com “Radical Optimism”, que, embora não tenha encantado boa parte da crítica, soa divertido e é mais que o suficiente para mantê-la no topo. Billie Eilish lança o grande “Hit Me Hard and Soft” e prova, de novo (se é que alguém ainda duvidava), que não era apenas uma aventura juvenil. O Kings of Leon faz o dever de casa e agrada os fãs (pelo menos eu) com o honesto “Can We Please Have Fun”. E Beyoncé, mais uma vez, bagunça a zorra toda e mostra, com o excelente “Cowboy Carter”, que não há preconceito ou desconfiança que possam calar tanta competência.

Difícil está sendo acompanhar tudo isso e tantos outros lançamentos. E como se não bastasse, três dos discos que eu mais escutei na vida estão soprando as velinhas e completando 30 anos em 2024. “Definitely Maybe”, primeiro álbum do Oasis, marcou minha adolescência e juventude de uma maneira muito visceral. O impressionante “MTV Unplugged in New York”, do Nirvana, também fecha três décadas neste ano — o show foi em 1993, mas o disco foi lançado em 1994 —, e eu escutei até furar. O CD, que eu tenho até hoje, foi um presente recebido do então namorado de uma prima, durante o Carnaval de 1996 no Espírito Santo. Para fechar, “Dookie”, clássico absoluto do Green Day, trintou com todo meu respeito e gratidão. Toda vez que ouço “Basket Case”, “She”, “When I Come Around” ou qualquer outra desse álbum, minha memória vê não apenas um filme, mas uma locadora inteira — na época não tinha streaming.

O engraçado é que no meio de tanta novidade e de tantas comemorações entre gigantes do pop e do rock global, o que mais me chamou a atenção foi o novo disco de uma banda brasileira que ainda está um pouco distante da consagração. Estou falando dos curitibanos da Jovem Dionísio, do — este, sim! — consagrado hit “Acorda Pedrinho”. Os caras acabaram de lançar um novo álbum e eu não dei muita bola. Mas o Paulo, cunhado da minha esposa e parceiro de vinhos em alguns fins de semana, tratou de me libertar dessa ignorância. O disco é um espetáculo! Tem tudo que eu curto: pop, bossa, ímpeto, deboche e a capacidade de rir de si mesmo. Ou seja, eles entregaram aquilo que costuma faltar na indústria do espetáculo e na comunicação de hoje. Para promover o álbum, fizeram o curta-metragem ”Cadeiraria Tartarugas”, que se passa em uma pequena fábrica de cadeiras cujo dono é um bagre (isso mesmo, uma espécie homem-peixe) nada amistoso. O filme é um primor que indica uma crítica à produção industrial na cultura — e também o cuidado e a leveza como a banda conduz a própria jornada.

Dionísio, vale lembrar, é o deus do vinho, das festas e da alegria na mitologia grega. João Anzanello Carrascoza, escritor e referência maior nos estudos sobre redação publicitária no Brasil, é reconhecido, entre outros atributos, por discutir as características de Apolo (outra divindade) e Dionísio nos textos publicitários. Em síntese, o texto apolíneo é mais racional, mais organizado, com a predominância de aspectos pragmáticos e argumentos de venda. Já o texto dionisíaco tem mais poesia, ousadia e sonhos. É um modelo que permite correr mais riscos, digamos assim. Algo de que muitos têm medo nestes tempos de métricas para tudo. Carrascoza é um ídolo para mim, que amo redação e adoro ler. Jovem Dionísio é uma das mais gratas surpresas que tive neste ano, eu que amo escutar música tanto quanto curto comunicação.

Por sinal, andei pesquisando e vi que a banda rompeu com a gravadora Sony porque sentia que não conseguiria manter-se fiel às suas convicções estando vinculada a uma empresa que poderia, talvez, interferir no resultado criativo do projeto idealizado. É do jogo. Sabemos que às vezes é preciso recuar, romper, firmar o corpo naquilo em que estamos crentes, mesmo correndo o risco de perder. Porque, como costuma falar uma ex-professora e hoje uma querida colega, pode-se perder de tudo, menos a dignidade. E se não nos respeitamos, se nos sujeitamos sem critério, se somos desonestos diante daquilo em que acreditamos por causa de uma suposta segurança, o que fazemos não é nada mais do que desmoralizar nossa história. Portanto, quando o disco “Ontem eu tinha certeza (hoje eu tenho mais)” do Jovem Dionísio fizer 30 anos, espero ainda estar aqui para escrever sobre a obra. Com a mesma leveza e honestidade que eu e eles cultivamos hoje.


(*) Jornalista e publicitário. Professor na Univale e poeta sempre que possível. | Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com

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