Marcos Santiago

Fui tentar um benefício lá pelas bandas da Previdência. Tô meio esquisito nessa fossa toda, de norte a sul.
Grita a senha e eu entro no consultório. Faço uma prece e sento.
– Bom dia, doutor!
Ele dá um meio tique com a cabeça e resmunga:
– Já tive dias melhores…
Eu faço o sinal da cruz e falo baixinho:
– Ave! Se não tá bom para o senhor que é doutor, imagina pra mim que nem pedigree tenho?
Ele põe o dedo no queixo e leva em direção ao teclado do computador. Que alívio! Vai conceder a graça, penso.
– Uns trinta dias de glória! Falo com o estetoscópio.
Mas então ele franze a testa e me encara. O perito me encarou. Putz, e agora? O que é que eu faço? Ele tá olhando pra mim, pensei. Permaneço em oração e digo:
– Oiiiii…
– Ele abaixa os óculos e pergunta:
– Dói onde?
– Doutor, primeiro dói no bolso. É. Esse atestado aqui e aquele exame acolá, paguei com o dinheiro do gás. No SUS tá um tanto demorado.
Depois, dói na consciência, de ver tanta gente pior que eu, numa fila maior que o preço da gasolina…
No meio da ladainha ele enfia outra pergunta:
– Mas qual é o seu problema?
Então! Dou aquela respirada do fundo da alma:
– Problema? Tenho um filho adolescente, sabe? Sou casado também. Sócio do meu cunhado. Minha mulher tem mãe e madrasta, então fiquei com duas sogras. Aí o dólar subiu, a renda caiu e eu tenho que lutar com esse pessoal todo…
Ele manda parar e faz cara de tédio:
– O senhor votou nas últimas eleições? Pergunta.
– Votei. Sim senhor! Nem quero ofender Vossa Senhoria, mas o que tem a ver, se eu votei? Votei. Votei sim…
Ele ergue a palma da mão e me indica a porta, dizendo:
– Então vá em paz, mas não peques mais.
Fui.
Estou aguardando a resposta do benefício chegar.
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