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História do Rio Doce – IV

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola

Em 16 de janeiro de 1888, William John Steains leu na sessão da Royal Geographical Society de Londres o relatório de sua expedição ao rio Doce e seus afluentes da margem esquerda, realizada em 1885, quando tinha 22 anos de idade. Ele inicia com as seguintes palavras. “Tenho a honra, esta noite, de chamar sua atenção para uma pequena região do grande Império do Brasil que, atualmente, é muito pouco conhecida não só dos europeus em geral como também da maioria dos próprios brasileiros”. Como ele contava com poucos recursos, só conseguiu recrutar quatro homens experientes, adquirir uma grande canoa e reunir provisões, que se mostraram insuficientes.

A expedição partiu em junho de 1885, atingindo o fim da jornada no local denominado Ponte Queimada (Parque Estadual do Rio Doce), em janeiro de 1886. Foram seis meses de aventura nas selvas do rio Doce, para realizar essa viagem de cerca de 450 quilômetros. Entre Linhares, no Espírito Santo, e a Ponte Queimada, no atual Vale do Aço, município de Pingo D’água, somente existiam “três pequenas povoações nas margens do rio Doce, nenhuma das quais se pode chamar de próspera”. Começando por Linhares, situada na margem esquerda do rio Doce, vinha depois Guandu, povoado bem próximo à confluência do rio do mesmo nome; e a terceira e última povoação é Figueira, que ficava na margem esquerda do rio Doce, junto a uma corredeira do mesmo nome.

John Steains encontrou em Baixo Guandu colonos norte-americanos. Segundo ele, eram os miseráveis remanescentes de um grupo que imigrou para o Brasil logo após a Guerra Civil (1861-1865). Os habitantes de Figueira, em número de 700 aproximadamente, apenas conseguiam subsistir de um dia para o outro, “mas, além disso, não há muito a ser dito”.

O sal era o principal artigo de comércio no rio Doce, mas era “um artigo de luxo extremamente caro”, em função da dificuldade de seu transporte em canoas, do litoral até o interior. O preço do sal na vila de Figueira era quase seis vezes maior do que o preço na foz do rio Doce. Para quem pensa que era fácil viver da caça, ele conta que sua expedição teve muita dificuldade, pois essa era extremamente difícil de ser obtida e exigia um paciente trabalho por parte do caçador.

Nas corredeiras das Escadinhas (Aimorés), teve que lançar mão de suas poucas provisões a fim de recompensar o dono dos bois pelo serviço de transportar a canoa por seis quilômetros por terra, para ultrapassar as corredeiras, de forma que as provisões ficaram ainda mais escassas. Foi uma semana de tediosas marchas pela floresta densa, até passar pelo obstáculo das corredeiras. Subindo o rio Doce, para passar pelas cachoeiras do Inferno e do Eme, tiveram que puxar a canoa por meio de cordas feitas de cipós, amarradas à proa, com dois homens segurando-a com firmeza; um terceiro homem permaneceu na proa, evitando, por meio de uma longa vara, que a canoa se chocasse contra as pedras; ao mesmo tempo, o piloto, com seu pesado remo, conduzia a canoa através das estreitas passagens entre as pedras, “gritando ordens para os homens de uma tal maneira que leva a pensar que a canoa e toda a sua carga estão à beira de uma perda inevitável. O ruído da correnteza vem completar o quadro de confusão que sempre prevalece durante a subida de uma corredeira”.

A 29 de outubro o grupo atingiu a confluência do Suaçuí Grande, subindo o afluente, que era largo e profundo, mas somente por cerca de três quilômetro ou mais, pois deu de cara com uma cachoeira. Armaram acampamento, logo antes da queda d’água, num banco de areia. As provisões tinham acabado e, portanto, foram obrigados a caçar para garantir a subsistência.

Apesar de todas as dificuldades, subiram o rio Suaçuí Grande e, no dia 5 de novembro, penetraram no rio Tambaquari [Itambacuri]. No dia 12 de novembro se depararam com uma cachoeira e não era mais possível seguir com a canoa grande. Então, construíram uma pequena canoa, tarefa que durou três dias. Depois de ter penetrado cerca de 50 quilômetros, a partir da foz do rio Doce, no dia 24 de novembro decidiram regressar.

Durante a exploração do Suaçuí Grande dependeram de coleta e caça: tinha dia que a comida sobrava, mas em outros não tinham nada. Na floresta do rio Itambacuri o que salvou o grupo foi o palmito, mas John Steains lamenta que tivessem de cortar a árvore inteira, causando enorme devastação: “posso calcular em torno de 450 o número de palmeiras que derrubamos durante aquela incursão”. Também conseguiram boa caça, tais como macacos, pacas e cotias, que “constituíam uma deliciosa alimentação”; mas a capivara não agradou, pois tinha um “sabor muitíssimo forte”. Ainda puderam contar com “pescaria, sendo surubim o maior peixe que pescamos, e piau, piaba e piabanha os mais saborosos”.

Só conseguiram retornar ao rio Doce no dia 10 de dezembro, ou seja, gastaram 16 dias para percorrer de volta os cerca de 50 quilômetros. Da foz do rio Suaçuí Grande até o povoado de Figueira, foram dois dias de viagem, pois encontraram muitas dificuldades. O resto dessa aventura pelo rio Doce, em 1885, eu conto no próximo artigo.

Professor do Curso de Direito da Univale / Professor do Curso de Direito da Univale / Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT / Doutor em História pela USP

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