Uma reflexão sobre vaidade, tradição e o verdadeiro sentido do respeito
Em muitos lugares do Brasil, ainda é comum ouvir alguém sendo chamado de “doutor” só porque se formou em um curso superior. É quase automático. Se é advogado, médico ou dentista, pronto: o título vem colado no nome, como se fosse parte dele. Durante muito tempo, confesso, isso me pareceu normal. Mas, nos últimos anos, tenho notado um movimento diferente — discreto, porém constante — de pessoas que, mesmo recém-formadas, estão preferindo ser chamadas simplesmente pelo próprio nome. Sem pompas, sem cerimônia.
A tradição tem raízes antigas. No tempo do Império, quando só havia duas faculdades de Direito no país — uma em Olinda e outra no Largo de São Francisco, em São Paulo —, os formados eram vistos quase como nobres. A elite política, jurídica e médica saía desses espaços, e o título de “doutor” passou a ser símbolo de status. Isso se espalhou pelo Brasil e, até hoje, se mantém, principalmente nas relações profissionais mais formais. Mas é importante saber: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) define claramente que só é doutor, academicamente falando, quem faz um curso de doutorado, o famoso “stricto sensu”.
Apesar disso, a cultura do “doutor” pegou. Muitos ainda associam o título ao respeito. Mas será que respeito precisa de título? Tenho visto jovens colegas se incomodarem com essa formalidade toda. Alguns até se sentem constrangidos ao serem chamados de “doutor” na primeira audiência. Há um desejo real de construir relações mais horizontais, mais humanas. E talvez isso seja mais importante do que manter uma tradição que já não faz tanto sentido.
Não é uma questão de desvalorizar a conquista de quem se forma. Sei bem o quanto custa chegar lá — noites em claro, boletos vencidos, filhos pequenos dormindo no quarto ao lado enquanto se estuda para uma prova. O que se questiona é o apego ao título como se ele fosse uma medalha que separa uns dos outros. Afinal, por que o atendente do cartório tem que me chamar de doutor, se o trabalho dele também exige esforço e responsabilidade?
O título de “doutor”, quando vem carregado de vaidade, cria muros. Já vi colegas exigirem ser chamados assim como se isso fosse garantia de respeito. Mas o verdadeiro respeito vem da postura, da escuta, do trato com as pessoas. Nunca do título que se impõe. O mais curioso é que, quanto mais madura a pessoa, mais simples ela tende a ser. Já reparei que os profissionais mais competentes e mais sábios costumam ser também os mais humildes — são os que dizem: “Pode me chamar de Fulano, tá tudo certo.”
E olha que curioso: o Brasil, às vezes, gosta mais de aparência do que de essência. Um crachá bonito, um sobrenome pomposo, um título qualquer, e pronto: muitos se sentem autorizados a tratar os outros com distância. Por isso, quando alguém escolhe ser tratado pelo nome, sem precisar de enfeite, está dando um passo bonito. Está dizendo: “Eu não sou melhor que ninguém. Estou aqui pra somar.”
Talvez seja isso que esteja nascendo, ainda que devagar: uma nova forma de ver as relações, menos vertical, mais honesta. Porque, no fim das contas, o que fica é o jeito como a gente trata as pessoas — e não como elas nos chamam.
(*) Professor universitário | Bacharel em Direito pela Fadivale | Mestre em Tecnologia, Ambiente e Sociedade pela UFVJM. (33) 9.9874-1891 | @prof.me.gledstondearaujo
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