Pergunta 01: Isolamento social infantil e a pandemia! Será que teremos pessoas ainda mais egoístas?
Resposta: Sua pergunta está fundamentada no pressuposto de que a redução na quantidade de interações presenciais entre as crianças é um fator que pode interferir no desenvolvimento moral dos pequenos. Frequentemente confundimos egoísmo com egocentrismo e às vezes também com introversão. Então, vamos definir primeiro o que são cada uma dessas atitudes antes de caminhar para a resposta da sua questão. Comecemos pela introversão. Uma pessoa introvertida é aquela que investe a maior parte de sua energia psíquica em seu mundo interno ao invés da realidade externa. Os introvertidos frequentemente são chamados de distraídos, “desligados” ou pessoas que vivem “no mundo da lua”.
Egocentrismo, por sua vez, é a tendência a enxergar o mundo predominantemente a partir do próprio ponto de vista, menosprezando ou mesmo negligenciando o modo como as outras pessoas percebem a realidade. Nos primeiros anos de vida, todos nós tendemos a ser egocêntricos, imaginando que os outros enxergam as situações exatamente como enxergamos. Já o egoísmo diz respeito a uma disposição moral: egoísta é aquele que, na maioria dos casos, coloca seus próprios interesses acima dos interesses de outras pessoas. Egoísmo, portanto, é o oposto de generosidade. Considerando essas definições e voltando à sua pergunta, eu diria que não é provável que tenhamos mais pessoas egoístas em função do isolamento social ocasionado pela pandemia. Penso dessa forma porque acredito que o egoísmo não seja influenciado diretamente pela frequência de interações presenciais, mas por outros fatores como o discurso dos pais e a fantasia que o sujeito constrói para mediar sua relação com o mundo. Com efeito, pessoas que vivem, por exemplo, na fantasia de que estão sempre sendo prejudicadas pelo mundo geralmente são egoístas porque consideram que, ao colocarem seus interesses acima dos de outras pessoas, estão apenas fazendo jus a uma “reparação histórica”. Finalizando, não creio que necessariamente teremos pessoas mais egoístas. Todavia, é provável que tenhamos pessoas com um pouco mais de dificuldade para interagirem e se comunicarem presencialmente com outras.
Pergunta 02: Como solucionar um problema relacionado a um complexo de Édipo mal resolvido?
Resposta: Eu poderia responder essa pergunta com uma única palavra: Psicanálise. No entanto, quero aproveitá-la para esclarecer às pessoas o que é um “complexo de Édipo mal resolvido”. Complexo de Édipo foi o nome que Freud deu para um tipo de fantasia que aparece na cabeça de toda criança por volta dos três a cinco anos de idade (aproximadamente). Que fantasia é essa? A fantasia de tomar os pais como objetos sexuais. No sujeito que “resolveu bem” o complexo de Édipo, essa fantasia foi dissolvida e os pais se tornaram para ele apenas referenciais inconscientes de como ser e de como desejar. Já a pessoa cujo complexo de Édipo ficou “mal resolvido” é aquela que não conseguiu dissolver a fantasia com os pais, mas apenas reprimiu no Inconsciente seu desejo de ficar sexualmente com eles. O resultado disso é que, mesmo na vida adulta, o sujeito permanece excessivamente apegado a um ou a ambos os pais e/ou se envolve afetivamente com pessoas com as quais podem inconscientemente reencenar as relações infantis com seus pais. O caminho para “solucionar” o complexo de Édipo mal resolvido passa primeiramente pela tomada de consciência da fantasia infantil e, num segundo momento, pela renúncia à satisfação dos desejos presentes nela. Ambas as tarefas são levadas a cabo ao longo de um tratamento psicanalítico.
Pergunta 03: Quais ações devem ser concretizadas por mim para que eu consiga elevar meu amor-próprio?
Resposta: A saúde é o estado natural do ser. O adoecimento físico é apenas a expressão de uma perturbação da ordem natural do corpo por algum fator (vírus, bactérias, alimentação incorreta, sedentarismo etc.). Estou chamando sua atenção para isso para mostrar que sua pergunta se baseia em um pressuposto equivocado: você acredita que a elevação do amor-próprio seja uma condição a ser conquistada por meio de certas ações quando, na verdade, você já deveria naturalmente ter amor-próprio, pois esse é um dos atributos da saúde psíquica. Se você percebe que não se ama, isso significa que existem fatores que estão perturbando sua saúde mental e produzindo, como um efeito, a perda de amor-próprio. Portanto, a pergunta que você deve se colocar não é “o que devo fazer para aumentar meu amor-próprio?”, mas “o que aconteceu comigo e o que eu fiz com o que aconteceu comigo para que meu amor-próprio esteja tão baixo?”. Assim como o diabetes tipo 2 é uma condição anormal do corpo desenvolvida em resposta a maus hábitos alimentares, assim também a falta de amor-próprio costuma ser um modo patológico de relação consigo mesmo produzido para responder a experiências desfavoráveis de interação com o outro (especialmente pai e mãe) e de fantasias construídas com base nessas experiências. Nesse sentido, enquanto você não elaborar os elementos da sua história de vida aos quais você respondeu com a redução de seu amor-próprio, nenhuma “ação concreta” o ajudará.
Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogoclínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).
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