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Desafios de legitimidade: A dinâmica da contrademocracia no governo Lula

FOTO: Freepik

A caminho de um curso na Universidade de Sevilha-ESP, me deparei com franceses ao meu lado tomando café. Me lembrei de um texto do francês Pierre Rosanvallon, sobre “contrademocracia”.

A partir de Rosanvallon, podemos dizer que a democracia brasileira, do atual governo Lula, enfrenta uma complexa crise de legitimidade, fenômeno que o autor descreve profundamente em suas análises sobre as dinâmicas contemporâneas das democracias. Lula, eleito após um período de intensa polarização política, tem o desafio de governar em um ambiente onde sua legitimidade é constantemente questionada por uma significativa parcela da população. Este cenário é agravado por crises econômicas, escândalos de corrupção e uma profunda divisão ideológica, elementos que alimentam o descontentamento e o ceticismo em relação ao governo. E esse Brasil já não é mais aquele dos dois primeiros governos Lula. Esse é o governo da era da “revolução 4.0”, na qual a informação se tornou commodity (mercadoria), e todos sabem sobre tudo ou quase tudo (e se não sabem, se dizem sabedores no ambiente de rede).

Rosanvallon pontua que a crise de legitimidade surge frequentemente de um sentimento de desconexão entre cidadãos e seus representantes. No Brasil, essa desconexão é evidente na maneira como diferentes grupos percebem o governo Lula, muitas vezes considerado como não representativo de suas visões ou interesses. Essa percepção é amplificada pela retórica polarizada que domina o discurso político, dificultando o estabelecimento de um consenso ou mesmo de um diálogo construtivo.

Os “contrapoderes”, conceito central na obra de Rosanvallon, são visivelmente ativos no Brasil e têm desempenhado um papel crucial em manter o governo sob vigilância e responsabilidade. Mídia, organizações civis, e até mesmo órgãos judiciais atuam na fiscalização e na crítica constante das ações do governo, refletindo o aspecto da “contrademocracia”, que busca corrigir ou contrabalançar os excessos do poder.

O populismo, tratado por Rosanvallon como uma forma de resposta à falta de representatividade, também encontra ressonância no Brasil. O presidente Lula, inegavelmente uma figura populista, usa uma linguagem que apela diretamente ao povo, tentando estabelecer uma conexão direta que contorna as instituições tradicionais. Essa abordagem, de fato, pode ser vista como uma tentativa de fortalecer sua legitimidade diretamente junto ao eleitorado, no entanto, também se apresenta como uma estratégia que potencialmente enfraquece as práticas deliberativas da democracia representativa, afinal, nem todos se sentem representados pelo presidente Lula.

Rosanvallon sugere, então, que a resposta aos desafios contemporâneos em uma democracia exige adaptações e reformas que aumentem a inclusão e a “responsividade”. No contexto brasileiro, isso poderia significar a implementação de políticas que não apenas abordem as necessidades imediatas, a exemplo de desigualdade e desemprego, como geralmente ocorre em governos petistas, mas que também promovam uma maior participação cívica e fortaleçam as instituições democráticas (aliás, descredibilizadas por conta dessa polarização, sobretudo, o STF).

A aplicação da teoria de Rosanvallon ao cenário brasileiro atual, caro leitor, oferece uma perspectiva valiosa sobre as dificuldades enfrentadas pelo governo Lula. Compreender a crise de legitimidade e o papel dos contrapoderes, certamente ajuda a elucidar as complexidades da governança no Brasil. Mais do que isso, destaca a necessidade urgente de reformas que não apenas enfrentem os desafios econômicos e sociais, mas que também revitalizem os fundamentos da democracia brasileira, tornando-a mais robusta e resiliente frente às adversidades, sempre mais potentes nessa era digital.

Sem que se pense nisso (e a teoria de Rosanvallon explica e contribui para uma certa evolução), continuaremos nessa desenfreada guerra ideológica, que, ao fim e ao cabo, não contribui tanto assim para a mudança e melhoria da realidade do cidadão, que, tenho certeza, todos nós queremos alcançar para nós e nossa geração futura, independentemente de opção ideológica.


(*) Doutorando e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), com área de concentração em Direitos e Garantias Fundamentais. Professor. Advogado. https://orcid.org/0000-0003-0202-0710. contato: cezargodinho3@gmail.com

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