Dr. Lucas Nápoli (*)
Na maioria das vezes, começo a escrever os artigos desta coluna sem um roteiro prévio. Estabeleço uma premissa e, ao longo do próprio texto, vou desenvolvendo as ideias sem saber a que conclusões elas me levarão. Deixo a escrita me levar.
Hoje, por exemplo, decidi falar sobre como se desenvolve a autoconfiança. É claro que já possuo algumas ideias a respeito do assunto, mas espero que a escrita me ajude a articulá-las de modo sistemático e proveitoso para vocês, leitores.
Primeiramente, precisamos descrever o que caracteriza essa coisa que nós habitualmente chamamos de autoconfiança. Por se tratar de um atributo que pode se manifestar em certos momentos e não em outros, uma boa estratégia para mapeá-lo é pensar em situações nas quais comumente dizemos que uma pessoa é (ou está) autoconfiante. Por exemplo, quando uma jovem estudante vai fazer uma prova na faculdade e acredita que tem grande chance de obter uma nota alta ou quando um rapaz vai a uma entrevista de emprego presumindo que a vaga já é sua.
Analisando essas duas situações, podemos observar a presença de dois elementos comuns. O primeiro deles é o fato de que a autoconfiança é um fenômeno que se manifesta na presença de situações desafiadoras, ou seja, ocasiões em que o indivíduo está exposto a um obstáculo que pode ou não ser ultrapassado. O segundo elemento comum às duas situações é a presença da FÉ em ambos os sujeitos citados. A melhor definição de fé da qual dispomos é a que se encontra no início do capítulo 11 da chamada “Carta aos Hebreus”: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem.”. Em outras palavras, fé significa acreditar que algo desejado existe mesmo que ainda não possamos vê-lo. A jovem citada acima acredita que obterá uma nota alta mesmo ainda não tendo feito a prova. O rapaz, por sua vez, crê que será contratado antes mesmo de passar pela entrevista de seleção.
Autoconfiança, portanto, poderia ser definida como a fé na própria capacidade de superar desafios. Quando estamos autoconfiantes, não sentimos medo do fracasso. Pelo contrário, conseguimos vislumbrar o sucesso com antecedência, pois temos a certeza de que somos aptos para chegar até ele.
É por isso que autoconfiança é diferente de coragem. Esta última é uma virtude, ou seja, uma atitude que depende de uma decisão consciente e voluntária do sujeito. Há pessoas, por exemplo, que quase nunca conseguem experimentar a autoconfiança, mas são extremamente corajosas. Elas estão o tempo todo morrendo de medo de fracassar, mas, exercitando a coragem, nunca fogem dos desafios que se apresentam.
Autoconfiança, por outro lado, é um fenômeno involuntário. Sendo assim, ninguém se torna mais autoconfiante por força de vontade. Nesse ponto o caro leitor pode ter ficado confuso. Até consigo imaginar alguns de vocês se perguntando: “Ué, mas se a autoconfiança não pode ser desenvolvida, então uma pessoa que raramente consegue ser autoconfiante morrerá assim?”. A minha resposta para essa questão é o velho e bom “Depende…”.
Explico: sim, é possível que uma pessoa se torne mais autoconfiante, mas, como assinalei acima, não por força de vontade. A autoconfiança pode ser “instalada”, digamos assim, numa pessoa por meio da única tecnologia existente que possibilita a transformação de aspectos psicológicos involuntários: a psicoterapia. Dito de outro modo: uma pessoa que quase nunca se mostra autoconfiante pode mudar “da água para o vinho” se engajar-se num bom processo psicoterapêutico.
Isso é possível porque a terapia é uma tecnologia que, tal como a cirurgia, possibilita a intervenção nas dimensões mais profundas da pessoa. Outro dia eu explico em mais detalhes como é que isso acontece, mas, por ora, basta que vocês estejam cientes desse aspecto “cirúrgico” do tratamento psicoterapêutico.
A autoconfiança é uma experiência cujas raízes encontram-se justamente nessas dimensões mais profundas da alma. Nas camadas psíquicas mais recônditas encontram-se as marcas das nossas vivências infantis. Essas marcas podem ser comparadas a sementes que vão dar origem a toda a vasta floresta que nós chamamos de personalidade.
Pessoas que conseguem sentir autoconfiança com muita frequência são aquelas que puderam vivenciar consistentemente durante os primeiros anos de vida a experiência de se PERCEBEREM capazes de superar desafios. Refiro-me aqui a situações muito singelas. Por exemplo: quando um bebê sente fome, deseja ser amamentado e a mãe prontamente lhe oferece o peito, na cabeça da criança se forma um pensamento que, se fosse convertido em palavras, poderia ser expresso mais ou menos da seguinte forma: “Eu sou superpoderoso, eu crio o peito que me satisfaz.”. Ao passar constantemente por situações como essa, vai se formando no fundo da alma do bebê a marca da potência, a semente da qual a autoconfiança nascerá.
CONTINUA.
(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).