O Mercado Municipal de Governador Valadares é uma joia da cidade. Aliás, os mercados municipais costumam ser as joias de todas as cidades que gozam do privilégio de ter um ou mais deles. Espaços que contam muito sobre a trajetória de um povo e sobre os rumos que ele quer tomar, os mercados seguem sendo uma bússola para quem tem a sensibilidade de entender que é perto de gente que nos compreendemos e percebemos horizontes com mais clareza. Porque é no tempero, na carne, no couro, nas cores e no grito que muitos saltos da nossa existência são demarcados.
Quando criança eu frequentava o mercado de Valadares. Ia com meus pais para comprar frango e frutas. Ia sozinho, ou com vizinhos, para comprar bolinhas de gude. Como todo adolescente fiel à incoerência de recusar raízes e razões, refutei o espaço durante anos. No início da juventude mantive o comportamento vergonhoso da adolescência, perdendo oportunidades de crescer e de me divertir. Até que, na segunda metade da fase “xóvem” fui morar em BH. Lá, tornei-me um frequentador exageradamente assíduo do Mercado Central — até hoje, um dos locais onde mais me sinto em casa.
Durante os 11 anos em que estive na capital mineira, sempre morei perto do Mercado Central. Comprava queijo lá. Comprava frutas lá. Bebia cerveja e comia fígado com jiló lá. No mercado, fazia confraternizações de final de ano com os colegas do setor — e era bom demais! Comia os incomparáveis quibes do Empório Árabe D’ Hana quase toda semana — recomendo muito; o local ainda está aberto e eu espero que jamais seja fechado. Durante muito tempo, ia cortar cabelo no Mercado Central — um saboroso pretexto para estar ali e aproveitar a viagem para realizar parte das ações já mencionadas.
De volta a Valadares, a gestão do tempo e a falta de atrativos que me fizessem brilhar os olhos não permitiu que eu fizesse na minha cidade natal o que fazia em BH. Mas isso está mudando. Dos mesmos criadores do Matí Food Lab — restaurante com gastronomia sofisticada, deliciosa e acessível no bairro Vila Bretas —, acaba de chegar ao Mercado Municipal de GV o Matí Cozinha de Mercado. O lugar é lindo, feito com capricho, com carinho, com afeto. Coisa de quem vê o mundo se transformando e tem o compromisso de não permitir — nem aceitar — que Valadares fique para trás.
No Matí Cozinha de Mercado a comida é sensacional. Porçõezinhas, aperitivos, movimento, gente se amontoando e se divertindo. Um espaço pequeno, como tem que ser um boteco de mercado que se preze. Só não tem espaço para insatisfação. Tem arte, tem sabor, uma fachada maravilhosa e a vibração de clientes-testemunhas de um momento sublime. No som, toca samba. Nos sorrisos de cada frequentador, corações tocados por um empreendimento alvissareiro. Com olhos gratos e dentes à mostra, todo mundo grita, mesmo sem palavras, que é bom estar ali. Muitos, ansiosos que só, já esperam a chegada de iniciativas semelhantes à vizinhança. Sim, presenciar o novo causa mesmo muita euforia. Daí, só pedindo mais um chope para acalmar.
Em “Faltando um pedaço”, Djavan afirma que “O amor é um grande laço/ Um passo pr’uma armadilha/ Um lobo correndo em círculo/ Pra alimentar a matilha”. No Matí Cozinha de Mercado não falta nenhum pedaço. E, certamente, muitos correrão em círculos, apaixonados, esperando o dia e a hora de voltar para fazer da boemia o alimento de um dever cívico. Não é exagero, porque é também ressignificando espaços que mudamos a autoestima de um lugar e as perspectivas de um sonho.
Por falar em sonho, devo recorrer ao clichê do “Prelúdio” de Raul Seixas: “Sonho que se sonha só/ É só um sonho que se sonha só/ Mas sonho que se sonha junto é realidade”. Assim como tantos admiradores deste boteco que nasce clássico, quero acreditar que já há muita gente disposta a sonhar junto com o Matí, para atender a uma matilha sempre sedenta de se orgulhar da sua raça. Tudo com cuidado e com o devido respeito aos comerciantes e aos frequentadores originais do espaço, como tem sido. A história, afinal, pode e deve ser escrita com desejos de somar e receitas de unir, sem jamais cortar laços e nem negar raízes. Parabéns, Matí. E muito obrigado. Graças a você, estou morrendo de vontade de ir cortar o cabelo no mercado da minha cidade.
(*) Jornalista e publicitário. Professor na Univale e poeta sempre que possível. | Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com
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