Se eu pudesse voltar no tempo, talvez eu mudaria uma única coisa na minha vida até aqui: teria lido mais. Passei anos sem manter qualquer frequência de leitura, confesso, meio envergonhado. Felizmente, estou em busca de recuperar o tempo perdido.
Não foi por falta de incentivo, devo reconhecer. Meu pai sempre leu muito, e, na minha infância, a família assinava revistinhas da Turma da Mônica. Era uma explosão de felicidade todo mês quando o carteiro entregava o pacote com os quadrinhos.
Só que antes de reinarem a paz e o silêncio em casa e entrarmos no universo mágico do Mauricio de Souza, era de praxe um momentinho de tensão: a importante negociação com meus irmãos sobre quem seria o dono de cada exemplar. Normalmente eram cinco revistas para três crianças – que, claro, leriam todas, posteriormente guardadas na mesma pilha. É que ler a sua própria tinha um misterioso sabor especial.
Veio a adolescência e me distanciei das letras, uma pena. Embora sempre tenha gostado de estudar língua portuguesa e de escrever, a leitura foi sumindo dos meus hobbies.
Meu primeiro emprego pós-faculdade ficava a mais ou menos uma hora de ônibus de casa. O jogo virou: em bons tempos sem smartphone, passei a ler todo dia – uma hora na ida e o tempo que conseguia um lugar sentado na volta, dependendo da lotação do coletivo, que variava entre nenhum e 60 minutos. Rapidinho zerei o meu pequeno estoque de livros e o dos meus pais. A cada visita à casa deles, eu tomava mais alguns emprestados.
Quando saí desse trabalho e voltei a morar com a família, sem o ônibus, naturalmente a frequência de leitura diminuiu outra vez. Até parar quase completamente. Para o meu próximo emprego, eu ia a pé. Para o seguinte, de carro. Fui residir sozinho de novo e minha estante passou a acumular livros que não tinham a menor expectativa de quando – ou se – seriam visitados.
Um dia ouvi de um palestrante, que nem me lembro mais o nome, algo que me pegou de jeito. Dizia que era professor, pesquisador, escritor, mas que nunca tinha conseguido ler com frequência. Até que fez um acordo consigo mesmo: 20 minutos por dia. Não importava o quão corrida a rotina estivesse, ele parava, de preferência no mesmo horário, abria um livro e se dedicava exclusivamente à leitura durante esse tempo, no mínimo. Assim, condicionou o cérebro a essa atividade e conseguiu: passou a ser um devorador de livros.
Esse número martelou na minha cabeça: 20 minutos. Não podia ser difícil. Resolvi tentar. No começo, dependendo da obra, realmente corre o risco de parecer uma pequena eternidade, mas eu não desisti. Colocava o despertador e seguia firme, às vezes bem concentrado nas letras à minha frente, outras tantas meio voando, normal.
Li o primeiro livro. Emendei logo o segundo, o terceiro, de 20 em 20 minutos – às vezes o dobro, o triplo disso, mas a partir daí sem qualquer “obrigação”, só prazer. Quando vieram aqueles tempos sombrios de 2020, eu aproveitei o período de reclusão para estabelecer de vez o novo hábito.
Consegui a proeza até pouquíssimo tempo atrás inimaginável: li absolutamente tudo o que eu já tinha comprado na vida, como nos tempos do ônibus. De lá para cá, já adquiri mais um monte, claro, e a lista está enorme outra vez. Que bom, aliás!
Hoje não abro mão de me deitar na rede assim que chego do trabalho, deixar o celular para lá e abrir um livro. Em viagens, sempre carrego um.
Aos poucos, vou riscando minhas pendências literárias da vida. Ainda quero ler mais clássicos brasileiros, clássicos mundiais, clássicos modernos, mais mulheres, negros. Preciso conhecer melhor os russos, prestigiar os livros dos amigos escritores. Quero voltar a ler Turma da Mônica – ainda mais agora que eu nem me importo com a posse das revistinhas.
Se você chegou até aqui, tenho uma boa notícia: você já leu algo em torno de uns bons cinco minutos hoje. Já é alguma coisa, vamos celebrar! Se quiser ler outra crônica aqui mesmo, dobramos o número. Que tal aproveitar e abrir logo o livro que você está lendo? Ou dar uma chance àquele parado na sua estante há tanto tempo que nem você se lembra mais quando chegou?
Os hábitos são construídos aos pouquinhos. A leitura é e sempre vai ser um dos mais nobres e saudáveis.
(*) Mineiro, jornalista e mochileiro. Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir.
Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.