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Censo, cenas e cidades

FOTO: Divulgação
por Bob Villela (*)

Cidade de Deus é uma das maiores joias do cinema contemporâneo. Realidade carioca, brasileira, que ecoou no mundo com irreverência e técnica, ambas apuradíssimas. Filme que ensina como se estivesse nos divertindo e exibe a mesma potência para fazer o inverso. Inclusive, é por meio de inversos que vemos, nele, muitas cenas de um país que não gostaríamos de ver.

O título foi lançado em 2002 e nunca mais saiu do nosso imaginário. Jamais deixou de ser pertinente. Envelheceu como se tivesse sido finalizado na última sexta-feira. Após uma década de sua estreia, um documentário muito oportuno — Cidade de Deus – 10 Anos Depois — trouxe a realidade do elenco que rodou o filme, composto majoritariamente por moradores do bairro, que também é conhecido como CDD. No doc, a situação de vários daqueles atores, de modo geral, era bem menos glamorosa que a aura em torno da obra de Fernando Meirelles e Kátia Lund.

Cidade de Deus – 10 Anos Depois é uma realização dos diretores Cavi Borges e Luciano Vidigal. Ambos têm um roteiro de méritos, mas a história de Cavi daria muitos filmes. E foi isso que ele fez. Ex-atleta de judô, ele quase foi para os jogos olímpicos de Atlanta, em 1996, e Sidney, em 2000. Em ambos os casos teve problemas físicos que o impediram de realizar o sonho. No meio disso tudo, abriu uma locadora, a Cavideo — que nome! —, que depois virou também uma produtora. Hoje, ele é um protagonista na cena do cinema, da cultura e da resistência no Rio. Recomendo.

Espero que Cavi tenha curtido Buscapé, spin-off de Cidade de Deus lançado em 2022, ou seja, 20 anos após o lançamento do original. Um spin-off é uma obra derivada de outra. Normalmente é baseado em algo já consolidado, que tem um sucesso muito assegurado. Daí, toma-se emprestado um pouco do prestígio do produto seminal para criar histórias sobre um local, um momento ou um personagem. Neste caso, as marcas Vivo e Motorola bancaram um curta-metragem de 14 minutos acerca do lendário personagem Buscapé. Está no YouTube e é lindo.

O Buscapé sonhava em ser fotógrafo no longa Cidade de Deus. No curta de 2022, já é um veterano fotojornalista profissional. Então ele vai até a CDD visitar um velho amigo para conhecer uma iniciativa de cunho social desenvolvida pelo parceiro. Lá, nota algo diferente e resolve investigar. O resto é história. Por sinal, foi mesmo história que o vídeo fez recentemente, ganhando três leões no Cannes Lions, uma das maiores premiações da publicidade internacional.

Cidade de Deus — o filme — segue gigante e a Cidade de Deus — o lugar — parece manter-se à margem do que merece ter e ser. A visão arrojada de Meirelles, Lund, Cavi e Vidigal sugerem um contraste com a indiferença de gente que encolhe, reduz e, de forma indireta, abrevia histórias de habitantes das bordas da sociedade. E o que muitos desses moradores fazem a partir de tantas necessidades? Quando podem, partem em busca de outras realidades, outras verdades, outras cidades.

Em Valadares, por exemplo, nosso desafio continua enorme. Em que pese muitos avanços recentes, seguimos sendo um município com bordas cheias de anseios onde mata-se um leão por dia — e não são os prestigiados leões de Cannes. Vimos nossa população encolher com a divulgação de dados do último Censo e, em alguns aspectos, os índices das nossas periferias são tão cruéis quanto os encontrados nos piores dias da CDD. Não é por acaso, então, que segue-se vendo spin-offs de GV nos Estados Unidos. Observe com cuidado a minha definição para spin-off, na primeira metade do texto. Nas cenas do dia a dia o otimismo precisa seguir tendo papel de destaque. Mas é preciso entender que muito antes da estreia de Cidade de Deus já estava em cartaz a nossa e tantas outras Cidades de Adeus.


(*) Jornalista e publicitário. Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale. Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com

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