Era segunda-feira quando ela despertou com o corpo inteiro dolorido, como se tivesse corrido uma maratona. Mas não havia feito nenhum esforço físico — apenas tentado sobreviver à semana anterior. Não era gripe, nem falta de sono. Era o corpo gritando o que a mente já não conseguia mais expressar: exaustão. O nome disso? Burnout. Mas, para muitos, ainda soa como drama, frescura ou falta de força de vontade.
Ela levantou da cama, se vestiu, chegou cedo ao escritório. Entregou relatórios no prazo, respondeu e-mails com eficiência, participou de reuniões sorrindo. Por fora, tudo seguia como deveria. Por dentro, o cansaço era tão profundo que até o ato de existir parecia pesado demais.
Dormir não descansava. Comer havia se tornado uma tarefa automática. A vontade de desistir surgia cada vez mais cedo, mas ela continuava — porque aprendeu que parar é sinal de fraqueza, que ser produtiva vale mais do que ser saudável, que demonstrar qualquer fragilidade pode custar respeito, credibilidade e espaço. O que ela não sabia era que o corpo já estava pagando um preço alto, com dores musculares, insônia, falta de concentração, crises de ansiedade e irritabilidade constante — sintomas típicos do burnout, mas que, muitas vezes, são ignorados por quem vive no “piloto automático”.
O burnout não aparece de repente. Ele se infiltra de forma insidiosa, disfarçado de comprometimento. Começa quando a pausa é adiada, o almoço é pulado, o fim de semana é tomado por demandas urgentes. Vem quando dizemos “sim” por medo de desagradar. E, aos poucos, o corpo dá sinais claros: dores inexplicáveis, insônia, lapsos de memória, irritabilidade, crises de ansiedade, sensação de impotência, de não conseguir mais dar conta das tarefas. Mas quem vive no automático raramente consegue ouvir essas mensagens de alerta.
A Organização Mundial da Saúde reconheceu o burnout como um fenômeno ocupacional causado por estresse crônico no trabalho não gerido com sucesso. E os números no Brasil são alarmantes. De acordo com a International Stress Management Association (ISMA-BR), mais de 30% dos trabalhadores brasileiros apresentam sintomas relacionados ao esgotamento profissional, com o número de casos aumentando após a pandemia de COVID-19. Em 2020, mais de 10 milhões de brasileiros declararam estar sofrendo com questões relacionadas à saúde mental devido ao ambiente de trabalho. A combinação do home office forçado, a sobrecarga de responsabilidades e a pressão por resultados aumentaram ainda mais o risco de burnout.
Mesmo sabendo dos sinais, muitas pessoas continuam trabalhando. Em um país onde a realidade econômica exige a presença constante no trabalho, muitos não têm o luxo de parar. Para grande parte da população, o medo do desemprego e a pressão financeira são forças poderosas que impedem qualquer pausa, mesmo que a saúde esteja em jogo. Acontece que, muitas vezes, essa continuidade no trabalho resulta em um afastamento forçado mais tarde. Dados do INSS indicam que, em 2020, o Brasil registrou mais de 50 mil afastamentos por motivos de transtornos mentais relacionados ao trabalho, incluindo o burnout. A crise de saúde mental no país não é mais uma preocupação distante: é uma realidade que afeta milhões de trabalhadores todos os dias.
No entanto, a cultura que glorifica a exaustão continua a dominar. As empresas frequentemente tratam o descanso como um luxo e a produtividade como um valor inquestionável. Ao mesmo tempo, a sociedade reforça o estigma contra aqueles que pedem ajuda, os rotulando de fracos ou incapazes. Aplaudimos os que se sacrificam pelo trabalho e ignoramos os sinais de alerta, como dores físicas e psicológicas que resultam em esgotamento extremo.
Falar sobre o burnout é urgente. Precisamos normalizar o cansaço real, não o fingido. Precisamos permitir que as pessoas sejam humanas antes de serem produtivas. Buscar ajuda profissional, respeitar os próprios limites, criar ambientes de trabalho que valorizem a saúde mental, estabelecer políticas de cuidado. E as empresas precisam entender que investir na saúde mental não é um custo, mas uma prevenção fundamental para um ambiente de trabalho sustentável.
Não podemos mais aceitar que as pessoas tenham que continuar trabalhando mesmo quando seu corpo e sua mente estão em colapso. Precisamos reumanizar o trabalho, lembrando que ninguém deveria acordar com dor no corpo por causa de e-mails, prazos e metas. E que nenhuma entrega vale mais do que uma vida com dignidade.
(*) Psicológa CRP 04/62350, pós graduanda em neuropsicologia pela Unifesp
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