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Autismo: um olhar para além do diagnóstico

FOTO: Freepik

Todos os dias, milhares de pessoas no Brasil e no mundo acordam, vestem suas rotinas e seguem seus caminhos — algumas de forma mais silenciosa, outras com olhares que evitam o nosso, algumas com passos repetidos ou palavras alinhadas como peças de um quebra-cabeça que só elas conseguem montar. São pessoas autistas. E por muito tempo, foram invisíveis aos olhos da sociedade.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento, o que significa que afeta a forma como a pessoa percebe o mundo, se comunica e interage socialmente. Mas definir o autismo apenas por suas características clínicas é como tentar explicar o oceano com uma xícara d’água.

O espectro é imenso. E dentro dele, existem pessoas com habilidades extraordinárias, memórias afiadas, talentos criativos, pensamentos lógicos, empatia profunda — mas que muitas vezes não conseguem expressar tudo isso da forma que o mundo espera. Há também aqueles que enfrentam desafios significativos na linguagem, no comportamento e nas tarefas do dia a dia, precisando de apoio constante. E todos eles — do início ao fim do espectro — têm direito à dignidade, ao respeito e à participação social.

É preciso dizer claramente: autismo não é sinônimo de deficiência intelectual, e muito menos de incapacidade. Também não é causado por vacinas, má criação, traumas ou “falta de limites”. Esses são mitos antigos que ainda hoje contaminam o debate e afastam a sociedade do entendimento real sobre o tema.

O diagnóstico de autismo é clínico, ou seja, baseado em observação de comportamentos, e pode ser feito ainda na infância, geralmente por volta dos dois ou três anos. Sinais como atraso na fala, dificuldade em manter contato visual, comportamentos repetitivos ou resistência a mudanças na rotina podem acender o alerta. Mas em muitos casos, principalmente em meninas e em adultos, o diagnóstico só vem tardiamente — ou nem chega.

Mulheres autistas, por exemplo, demoram a receber o diagnóstico. Isso porque muitas aprendem a “camuflar” seus comportamentos para se encaixar, o que pode levar a diagnósticos errados de ansiedade, depressão ou transtornos de personalidade. Essa “máscara social” cobra um preço alto, levando ao esgotamento emocional, isolamento e sofrimento silencioso.

Outro grupo que enfrenta obstáculos imensos são os autistas adultos. Muitos cresceram sem saber que eram autistas, convivendo com a sensação constante de inadequação, com dificuldades nos relacionamentos e no trabalho, sendo taxados como “estranhos”, “friamente racionais” ou “difíceis de lidar”. Ao receberem o diagnóstico na vida adulta, muitos descrevem a experiência como um alívio, uma resposta para perguntas que carregavam desde sempre.

Falar sobre autismo é, portanto, falar sobre humanidade. Sobre acolher a diferença. Sobre rever o que entendemos como comunicação, conexão, afeto. É compreender que um abraço pode ser demais para alguns, mas que um gesto discreto de aceitação pode ser tudo.

Na escola, é essencial formar professores com olhar sensível, capazes de perceber as singularidades dos seus alunos. A inclusão escolar real não se resume a colocar a criança na sala de aula, é preciso adaptar atividades, oferecer apoio especializado, trabalhar o respeito às diferenças com todos os alunos e, principalmente, escutar a criança autista e sua família.

No mercado de trabalho, é urgente criar oportunidades que levem em conta o perfil e o ritmo de cada pessoa. Ambientes sensorialmente amigáveis, instruções claras, respeito ao tempo de adaptação — tudo isso faz diferença. E mais: incluir é também não infantilizar. Pessoas autistas podem — e devem — ocupar cargos de liderança, participar de decisões e serem reconhecidas por suas competências.

Compreender o autismo não é tarefa de um mês, nem de uma cartilha. É um processo contínuo, que exige empatia, escuta e humildade. É entender que a diversidade não é problema, é riqueza. E que o mundo só se torna verdadeiramente inclusivo quando há espaço para todos os jeitos de ser.

Por fim, é fundamental dar protagonismo às próprias pessoas autistas. Elas não são apenas objetos de estudo, nem apenas filhos ou pacientes. São vozes potentes, que precisam ser ouvidas nos debates sobre políticas públicas, educação, saúde e representatividade. A frase “nada sobre nós sem nós” nunca fez tanto sentido.


(*) Luiza Freitas Vieira | Psicológa, CRP 04/62350, pós-graduanda em neuropsicologia pela Unifesp

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