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Atingidos pela barragem exigem mais espaço nas negociações em acordos de repactuação

FOTO: Igor França/ DRD

GOVERNADOR VALADARES – No estacionamento do estádio José Mammoud Abbas, com o chão de terra e cercado de outdoors, a movimentação de um grupo de pessoas chama a atenção. Apesar do ‘sol quente’, que marcava nos termômetros os seus 30ºC, era por volta das 14h quando o número de pessoas começou a aumentar no local. De fato não eram milhares, mas já eram centenas. 

Na frente do aglomerado de pessoas, o carro de trilho elétrico parecia reger a multidão como se fosse um maestro. Uma por vez as pessoas que estavam em cima do veículo pegavam o microfone e em mãos iniciava um breve discurso com inúmeras reivindicações. A cada nova frase de efeito, as palavras transmitidas pelas ondas das caixas de som ecoavam pelo quarteirão e faziam o grupo reagir e vibrar.

FOTO: Igor França

Naquele momento, os motoristas, que passavam pelo cruzamento da rua Osvaldo Cruz e Afonso Pena, de dentro de seus carros e no conforto do ar-condicionado, observavam e tentavam entender do que se tratava. A mulher da loja de queijo, do outro lado da rua, olhava pela porta de vidro e acompanhava a dinâmica daquela cena que se apresentava, no que para ela era apenas mais um dia de trabalho. Na mesma calçada, um homem, já com os seus cabelos brancos, e o filho, um pré-adolescente com uma camisa de um colégio particular, também desviaram os olhares para o grupo no estacionamento do estádio.  “O que é isso que tá acontecendo, pai?”, perguntou o menino. Sem demorar muito o pai respondeu: “É o negócio da Samarco”. 

O ‘negócio da Samarco’ se tratava de um ato de manifestação do Movimento Atingidos pela Barragem. Nesta quinta-feira, dia 31, pessoas de diferentes movimentos sociais de Minas Gerais e do Espírito Santo se reuniram para demonstrar a insatisfação da forma como os acordos de repactuação, relacionados ao impacto do rompimento da barragem de Fundão em novembro de 2015, estavam sendo realizados. 

FOTO: Igor França/ DRD

Manifestação por uma indenização justa

Já se passava um pouco mais das 15h, quando debaixo dos outdoors e das sombras das árvores, os manifestantes, com faixas e cartazes, começaram a se concentrar em grupos menores na tentativa de encontrar um abrigo em meio aquele sol escaldante. Já os mais resistentes permaneceram em frente ao carro de som. Com o sol fritando, lá de cima do veículo, Thiago Alves, segurando em uma das mãos vários papéis e na outra o microfone, começou a sua fala e listou inúmeras reivindicações. 

“Nós temos sonhos, nós temos propostas e nós queremos discutir com o Governo Federal e com o Governo Estadual e com todas as instituições envolvidas. É um grande acordo que está se tratando de bilhões de reais e os atingidos não têm assento e não têm poder de decisão. Nós queremos participar levando as reivindicações que há quase oito anos estamos discutindo. Uma repactuação sem a participação popular não será legítima e não terá um efeito bom aos atingidos”, disse Thiago Alves da Silva, coordenador nacional do Movimento Atingidos pela Barragem. 

FOTO: Igor França/ DRD

No final do discurso, Thiago entrega os papéis para  Kelli Cristine de Oliveira Mafort, Secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas. Um a um todos que tinham alguma contribuição sobre o assunto entregavam um bloco de papel para a representante do Governo Federal.

Entre as propostas estão “destacar a ampliação do auxílio financeiro emergencial, que é esse valor que vai para a família, para combater a fome. Isso é muito importante e central para nós. Queremos recursos para investimentos em projetos comunitários, assim como tem na região de Brumadinho, onde a comunidade decide como vai ser investido esse dinheiro. O tema da indenização individual também é muito importante. Estamos tratando com o Governo Federal, chama ele para discutir, mesmo que não seja sobre a repactuação”, explicou Thiago Alves da Silva. 

Participação dos atingidos nas decisões do acordo

E no meio desta multidão estava Joelma com o seu vestido estampado. Entre um abraço e outro, e atendendo o pedido de fotos e entrevistas, a mulher tentava achar um lugar onde pudesse acompanhar os discursos que vinham do carro de som. Há 20 anos o sustento dela e da família vem do que ela planta e cresce na terra da comunidade de Ilha Brava, zona rural de Governador Valadares. Mas depois do dia 5 de novembro de 2015, para ela as coisas nunca foram mais as mesmas. 

“7 anos, 9 meses e 25 dias”, disse Joelma Fernandes sem esforço. “Colhia-se limão, batia feijão, tínhamos jaca, manga; vivíamos das ilhas para trazer esses produtos para a cidade. [Depois do rompimento da barragem] os jovens da nossa comunidade vieram para a cidade. A juventude da nossa comunidade agora é fantasma. Um lugar onde os daqui da cidade iam para o lazer, para se banhar no rio Doce, onde havia extração de areia, tinha pesca, tinha agricultura e hoje em dia nós não temos mais isso”, explicou Joelma Fernandes.       

 “Desde 2016, como parte da Comissão dos Atingidos de Governador Valadares, venho nessa luta para dias melhores, com uma repactuação justa. Então por isso essa mobilização aqui. Temos pessoas de Mariana até a foz do Rio Doce”, contou Joelma, que também é coordenadora da Comissão dos Atingidos pela Barragem no município.

FOTO: Igor França/ DRD

Em contraste com o grupo de manifestantes, vestindo um terno preto e de roupa social (como se imagina que um advogado deve se vestir), surge Adilson Domiciano, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Governador Valadares. Com parte do pulso do terno ele tenta limpar o suor que refletia a luz do sol na testa, quase que na mesma intensidade do broche no seu peito.  

“Uma das buscas dessa manifestação de hoje é dizer que a população de Valadares não pode ficar de fora da repactuação. A repactuação foi algo que aconteceu contra nós, contra a nossa população. Como pode se tratar de uma repactuação e beneficiar outros lugares que não foram atingidos?, questionou o advogado. “Deve ser uma indenização, uma repactuação que venha para a população de todos os atingidos”, finalizou Adilson fazendo referência a como o Estado está utilizando e aplicando os recursos relacionados aos acordos indenizatórios.  

A mobilização se encerrou com a “Caminhada por Indenização Justa Já!” Os manifestantes percorreram algumas ruas da região central da cidade, saindo da Afonso Pena, seguindo pela Avenida Minas Gerais e terminando o percurso na Feira da Paz. 

FOTO: Igor Fança/ DRD

Julgamento na Inglaterra

Além da manifestação, este dia 31 também marca o fim do prazo para as pessoas que entram no processo contra a Vale e BHP Billiton, na Justiça britânica, enviarem todos os documentos atualizados. A Suprema Corte Britânica incluiu a Vale S/A como ré no julgamento sobre o caso, que tramita desde 2018 em Londres.

O processo definirá o valor indenizatório a ser pago pelas empresas aos mais de 700 mil atingidos, 2 mil pessoas jurídicas e 46 prefeituras em Minas Gerais e Espírito Santo que entraram na ação judicial internacional. O julgamento da ação está previsto para outubro de 2024.

O que diz a Fundação Renova

Sobre os acordos indenizatórios, a Fundação Renova informou que segue a decisão da 4ª Vara Federal no cumprimento dos acordos de repactuação. “Até junho de 2023, mais de 423,7 mil pessoas receberam R$ 14,38 bilhões em indenizações e Auxílios Financeiros Emergenciais. No total, até junho de 2023 foram destinados R$ 30,7 bilhões às ações de reparação e compensação do rompimento.” 

Além disso, a Renova também destacou que “relatórios da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) demonstram, desde 2016, que o rompimento não teve o potencial de alterar os efeitos de inundações na região. Durante as chuvas ocorridas em janeiro de 2020 e 2022 foram realizadas coletas de materiais carreados pelas enchentes, e os resultados não indicam impactos associados aos rejeitos ou alterações nas concentrações de metais em relação a legislação e estudos realizados antes do rompimento”.

Comments 1

  1. Walter Andrade says:

    Gostei da narrativa Igor.

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