O Brasil é um país singular. Temos um Legislativo que não legisla, um Executivo que não executa e um Judiciário que faz tudo isso ao mesmo tempo, mas sem conseguir dar conta da própria função. As leis existem, mas são ignoradas pelas instituições que deveriam cumpri-las, deixando tudo nas costas do único poder que não pode se dar ao luxo de falhar: o Judiciário. Afinal, se você tem um problema, um conflito ou um pedido que deveria ser resolvido por um órgão administrativo, esqueça! Nada anda sem uma boa e velha judicialização. O SUS não fornece aquele medicamento? Entre com um mandado de segurança. O INSS te deixou esperando anos para conceder um benefício? Recorra ao Judiciário. O governo não cumpre uma lei que ele próprio sancionou? Peça ao STF para interpretar o óbvio. O Brasil se tornou um imenso cartório judicial, onde cada direito precisa ser cobrado como se fosse um privilégio. O cidadão não tem serviços públicos, tem processos.
E não é por falta de normas. O país produz leis como uma fábrica de papel, mas a aplicação delas depende da boa vontade das instituições, que vivem em um eterno recesso operacional. Prazo? Apenas uma sugestão. A obrigatoriedade de um serviço público? Um conceito filosófico. Assim, o cidadão é empurrado para os tribunais, onde aguardar anos por uma decisão judicial virou rotina. O problema é que, enquanto todo o sistema falha, o Judiciário não pode simplesmente desligar as luzes e fingir que nada está acontecendo. Juízes são obrigados a decidir sobre questões que não deveriam nem chegar a eles. O resultado? Tribunais abarrotados, sentenças que substituem políticas públicas e um país onde o que era para ser exceção virou regra. Nossos magistrados viraram gerentes de crise do caos institucional.
Para completar, a falta de compromisso das instituições públicas cria um círculo vicioso: o próprio governo judicializa suas decisões. Se um governante quer cortar um benefício, mas não quer se indispor politicamente, deixa a decisão para os tribunais. Se uma política precisa ser revista, joga-se para o STF decidir. E assim seguimos, com ministros da Suprema Corte legislando no lugar do Congresso e despachando no lugar do Executivo. Não à toa, a população brasileira parece ter um único caminho para qualquer problema: chamar o Judiciário. Nossos magistrados viraram os despachantes do país, os tutores da administração pública e os árbitros da incompetência estatal. Enquanto isso, as filas nos fóruns crescem, os processos se acumulam e a morosidade judicial, paradoxalmente, ainda é mais rápida do que esperar um órgão cumprir sua função. Se o Judiciário fosse uma empresa, já teria decretado falência por sobrecarga de serviço. Mas, como estamos no Brasil, ele segue operando no modo improviso, resolvendo os problemas dos outros enquanto os próprios nunca são resolvidos. O Brasil judicializa tudo, menos a própria responsabilidade. Eu só espero que essa epidemia de incompetência não vire um surto mundial.
(*) Jornalista e escritor. Especialista em Ciência Política
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